A HISTÓRIA: As férias do detetive belga Hercule Poirot, no Egito, a bordo de um glamoroso navio cruzeiro, transformam-se numa procura terrível por um assassino, quando a lua de mel idílica de um casal perfeito é tragicamente interrompida.

"Morte no Nilo": nos cinemas desde 10 de fevereiro.


Crítica: Daniel Antero

A fórmula é clara: paisagens grandiosas, cenários luxuosos, personagens deslumbrantes confinadas num único espaço, vários assassinatos e um mistério que só poderá ser resolvido por Hercule Poirot, o melhor detetive do mundo.

Depois de várias adaptações cinematográficas e televisivas da obra de Agatha Christie, a rainha dos romances de crime, o realizador Kenneth Branagh quis atualizar a dinâmica e a energia daqueles misteriosos enredos para o século XXI e envolvê-los com novo glamour e a mais recente burguesia hollywoodesca.

“Um Crime no Expresso-Oriente”, de 2017, foi a primeira tentativa e colocou a todo o vapor as deduções lógicas do excêntrico investigador belga, agora interpretado pelo próprio Branagh. Para tal, o realizador irlandês soprou a poeira dos livros e introduziu cenas de ação, puzzles de lógica intrincados, CGI grandioso (mas demasiado artificial), uma câmara móvel que navega os espaços, mimicando a mente do detetive, e repetindo o carisma das adaptações dos anos 1970, um casting de pedigree.

Se “Um Crime no Expresso-Oriente” de 1974 contava com Sean Connery, Vanessa Redgrave ou Albert Finney, e “Morte no Nilo” de 1978 tinha Angela Lansbury, Bette Davis, Mia Farrow ou Peter Ustinov, o filme de 2017 de 2017 contou com Michelle Pfeiffer, Johnny Depp, Penélope Cruz, Judi Dench ou Willem Dafoe. A narrativa era esquemática, superficial, carente de identidade, e perdeu-se nos artifícios e nos meandros do CGI… mas atores como estes mantiveram a atração e seguraram o interesse dos espectadores até ao fim.

Não é o caso em “Morte do Nilo”. Kenneth Branagh retorna como o minucioso, genial Poirot. O fanático que procura sempre o balanço nos microcosmos e que analisa o mais ínfimo detalhe enquanto aprecia a nova joia da pastelaria, é a figura central desta narrativa. Pelas mãos do argumentista Michael Green, vemos o trabalho de investigação de Poirot ser aperfeiçoado e percebemos o que a complexidade da sua mente faz ao seu âmago emocional. Temos até uma viagem ao passado para aprofundar um amor trágico e justificar o seu arabesco bigode.

Mas como as suas “células cinzentas” assim sempre pretendem, para acomodar a vaidade do detetive belga, algo tem de ser reduzido do outro lado da balança. Neste caso, foi o casting. Quando Branagh não está em cena, o magnetismo desce, o melodramatismo sobe e o nosso interesse perde-se ao ver Gal Gadot ou Armie Hammer articularem sílabas e pavonearem a sua beleza. Nota para a exceção em Emma Mackey, que irradia paixão na interpretação de Jacqueline.

Tendo em conta a versão original (1978), que era composta maioritariamente por actores brancos, Branagh ainda procura aumentar a amplitude do seu microcosmos, pois nesta modernização acena à inclusão LGBT e racial, alterando algumas personagens. Mas ainda assim, atrizes como Sophie Okonedo, Jennifer Saunders ou Dawn French dificilmente têm a oportunidade de dar às suas personagens um perfil, pois nem nas cenas de interrogatório recebem palco para brilhar ou ser o veículo acutilante que nos injeta a dúvida da identidade verdadeira do assassino.

Green e Branagh passam por estas cenas a correr, apresentam motivos para o crime, álibis duvidosos, desculpas plausíveis e despacham o mistério e a grande revelação final. Não há oportunidade para sermos nós o detetive, cofiarmos o nosso bigode e rodopiarmos a lustre bengala enquanto afastamos da frente os artifícios do espetáculo cinematográfico.

“Morte no Nilo” é sumptuoso, demasiado cintilante, e sim, Branagh quis fazer um filme como “antigamente”. Mas como Poirot, está demasiado enamorado de si próprio. O classicismo, o charme, a velha guarda dos filmes de detetives deviam ter sempre o mesmo objetivo: intrigar-nos e tirar-nos o tapete do chão.