Noite no Paraíso
A HISTÓRIA: Escondido na Ilha de Jeju depois de uma tragédia brutal, um mafioso injustiçado e perseguido encontra uma mulher que enfrenta os seus próprios demónios.
"Noite no Paraíso": disponível na Netflix desde 9 de abril.
Crítica: Hugo Gomes
A Tae-Gu (Uhm Tae-goo) foi feito um aviso através de um provérbio – “dangranggeocheol” –, que se traduz numa roda gigante que segue imparavelmente monte abaixo e um louva-a-deus com a missão de o parar. O resultado é inevitável, mas a determinação do bicho é (isso sim) de louvar.
Na nova aventura cinematográfica de Park Hoon-jung (argumentista do pertinente fenómeno "Eu vi o Diabo" e realizador de títulos recentes que se estão a tornar fenómenos de culto), trata-se de uma tragédia de contornos esperados onde se destaca a determinação do protagonista em resistir à morte predestinada.
Tal como ele, a determinação é o que de mais valioso tem este ensaio de vingança de "Noite no Paraíso", um ingrediente que se tem tornado fulcral na ascensão do cinema sul-coreano no início do século XXI, com recaídas para metaforizações a geopolíticas e relações externas, transpondo-as para um universo de máfia e do exílio/isolamento do “anti-herói” para a remota Ilha de Jeju, situada entre a Coreia do Sul, Japão e China. Mas não transborda de reflexão sobre as questões, nem aprofunda, quer intelectualmente ou emocionalmente, a temática da morte que parece percorrer toda a trama, além de ligar o protagonista ao seu pseudo-interesse amoroso, uma jovem com os “dias contados” e insaciável desejo de morrer.
Fora das suas fintas e “toques de calcanhares” (nem que sejam as vibrantes sequências de ação, demonstrado mais uma vez a aptidão e talento do cinema do Oriente), o filme traz consigo todo um catálogo de normas do cinema sul-coreano, pelo menos as ideias que o confirmam como um dos oásis do "storytelling" desde o início deste século.
Depois dos Óscares de Bong Joon-ho com “Parasitas” [ler crítica], que é de facto um dos exemplos maiores do cinema produzido na Coreia, não abrandou a exploração e fascinação do Ocidente por estas produções (principalmente por gigantes do streaming como a Netflix), continuando a escavar e redescobrir pérolas atrás de pérolas. Ou, como no caso deste “Noite no Paraíso”, apresentado no último Festival de Veneza, a desbravar fórmulas exatas.
Mas longe vão esses períodos frescos e ainda incógnitos da cinematografia coreana que chamou a atenção através dos riscos poéticos e facínoras de Kim Ki-duk ou da vingança servida como “prato sangrento” à moda "Oldboy" de Park Chan-woo, valorizados em festivais de cinema como exóticas iguarias. Até mesmo o sucesso se desvanece pela repetição e este filme que fica disponível através da Netflix, mesmo apresentado uma postura vigorosa, é um mero louva-a-deus que cede ao seu infeliz desfecho provocado por uma força maior...
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