Superman
A HISTÓRIA: Um “Superman” movido pela compaixão e por uma crença inata na bondade da humanidade.
"Superman": nos cinemas desde 10 de julho.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
Nunca fui grande fã de Super-Homem enquanto personagem, nem possuo qualquer nostalgia associada às suas primeiras adaptações cinematográficas, simplesmente porque não nasci com elas.
A abordagem de Zack Snyder em "Homem de Aço" (2013) surpreendentemente agradou-me, apesar de um tom sombrio que, por vezes, entra em conflito com certos temas da narrativa. No entanto, foi o nome de James Gunn – e o seu novo papel como arquiteto do novo Universo Cinematográfico DC (oficialmente designado como DCU) - que realmente elevou as expectativas para esta nova era. Depois do sucesso da série de animação "Creature Commandos" (2024), que serviu como primeiro capítulo deste novo universo, a responsabilidade de Gunn em escrever e realizar "Superman" apenas solidificou a esperança de que a DC pode finalmente encontrar a coerência que faltava ao seu antecessor (DCEU).
O cineasta, conhecido por revitalizar franchises com o seu estilo irreverente e emocional – exemplo máximo na trilogia "Guardiões da Galáxia" (2014-2023) da Universo Cinematográfico Marvel (MCU) – mostra aqui o seu desejo de criar algo com alma, otimismo e uma profunda ligação aos valores humanos. Com "Superman", apresenta uma abordagem moderna, empática e consciente do super-herói, transportando-o para um mundo mais realista, mas nunca cínico. E mesmo com os típicos boicotes pré-estreia vindos de grupos de ódio 'online' – ruído habitual no lançamento de qualquer superprodução atual – entrei na sala de cinema sem saber concretamente o que esperar, mas com o coração aberto para o que me fosse apresentado.
"Superman" acompanha a jornada de Clark Kent (David Corenswet), já integrado no seu trabalho como repórter no Daily Planet e super-herói publicamente conhecido há vários anos, mas ainda a tentar encontrar o equilíbrio entre a sua origem alienígena e a sua missão na Terra. A narrativa procura explorar a dualidade interna do protagonista como um ser que não pertence ao planeta, mas que acredita mais na humanidade do que os próprios humanos. Ao lado de Corenswet, encontramos Rachel Brosnahan ("A Maravilhosa Sra. Maisel") como uma Lois Lane carismática e determinada, e Nicholas Hoult ("Nosferatu") como um Lex Luthor corrosivo e desdenhável – no melhor dos sentidos.

O primeiro grande triunfo da obra está, sem dúvida, no elenco principal. Corenswet encarna um Superman vulnerável, com emoções à flor da pele, falhas humanas e dúvidas existenciais, mas sempre orientado por uma bússola moral inabalável. Esta versão do herói não é o deus inalcançável do passado; é um ser alienígena que tenta perceber o seu lugar num mundo que ora o venera, ora o teme. A analogia entre o 'alien' e o imigrante é o fio condutor temático de toda a história – um elemento por vezes demasiado exposto, com momentos em que o filme quase que fica suspenso para sublinhar a sua mensagem. Ainda assim, o impacto emocional é genuíno. Gunn defende, com razão, que o que define alguém não é a sua origem, mas sim as suas escolhas e ações. E as de Clark são sempre orientadas para o bem, mesmo que isso implique enfrentar os sistemas que o querem limitar.
Brosnahan é igualmente notável. A sua Lois Lane é brilhante, corajosa, incrivelmente segura de si, mas com um lado ternurento que floresce nas suas interações com Clark. A química entre os dois é palpável, algo fundamental numa história que exige um envolvimento emocional autêntico por parte dos espetadores. O romance é construído com tempo, humor e uma naturalidade invejável.
Já Hoult oferece-nos um Lex Luthor deliciosamente odioso. A sua inveja patológica, o seu ódio cego por um "estrangeiro" que simboliza esperança e progresso, revelam-se através de discursos venenosos e um olhar permanente de superioridade. O ator consegue transmitir um homem cuja insegurança pessoal se transforma num desejo autoritário de domínio. Gunn aproveita esta figura para satirizar, de forma feroz, os "haters" das redes sociais – com uma comparação hilariante entre estes e macacos a atirar o seu excremento mental na internet. Uma crítica mordaz, necessária e importante.

Um dos temas mais poderosos é, precisamente, o confronto entre esperança e medo. Super-Homem é apresentado como um símbolo de altruísmo puro e o seu maior desafio não são os vilões com força sobre-humana, mas a desconfiança de um mundo cada vez mais cínico e individualista. Gunn questiona, através da perspetiva de Clark, se ainda existe espaço para figuras de esperança no meio do ruído, da desinformação e da divisão social. É um comentário corajoso sobre o estado atual do mundo – tanto dentro como fora do ecrã – e um convite à empatia, à compaixão e à ação responsável.
Dito isto, o grande pecado de "Superman" reside no excesso de personagens secundárias. São introduzidos Guy Gardner (Nathan Fillion), um Green Lantern inconsequente e bem-humorado; Hawkgirl (Isabela Merced), com as suas asas mecânicas e bravura; e Mr. Terrific (Edi Gathegi), um génio tecnológico com gadgets futuristas. Todos têm direito a tempo de ecrã razoável, mas nenhum deles é verdadeiramente desenvolvido. Acabam por funcionar como adereços de ação ou alívios cómicos, resultando em secções narrativas que perdem impacto sempre que Superman não está presente. E ainda existem as personagens do Daily Planet, da LuthorCorp e uma série de cameos que só agravam a sensação de dispersão narrativa.
A estrutura de "Superman" sofre com esta multiplicidade de linhas narrativas. As transições entre cenas são, por vezes, abruptas, o ritmo é algo irregular e existem momentos em que se sente tanto inchado como apressado. A montagem de William Hoy ("Watchmen") e Craig Alpert ("Deadpool 2") deixa um pouco a desejar nesse aspeto, não tanto por falta de coerência, mas por uma ligeira falta de polimento. Mesmo assim, a jornada central de Clark mantém o público emocionalmente investido.

Tecnicamente, o 'blockbuster' é uma delícia audiovisual. As sequências de voo são imersivas, a câmara flui com elegância e os efeitos visuais surpreendem pela sua qualidade consistente, especialmente tendo em conta o escrutínio feroz que algumas imagens mal enquadradas e convenientemente retiradas de trailers enfrentaram 'online'. As lutas misturam CGI e coreografia física com impacto real, especialmente num ecrã IMAX, onde a produção sonora se destaca – cada soco, cada rajada, tem peso e presença.
A banda sonora, composta por John Murphy ("O Esquadrão Suicida") e David Fleming ("The Last of Us"), é outro destaque. O novo tema principal do protagonista – com toques do original de John Williams – arrepia pela beleza e grandiosidade, evocando esperança e heroísmo com uma melodia simples mas poderosa. Sempre que toca, a cena em questão ganha uma nova dimensão emocional. Não é assim tão comum um tema deste tipo conseguir colar-se tão eficazmente a uma personagem icónica, mas os respetivos compositores acertaram em cheio.
O humor, marca registada de Gunn, pode ser ligeiramente excessivo para quem prefira abordagens mais contidas, mas a verdade é que a maioria das piadas funciona. São muitos os momentos de verdadeira gargalhada e nunca às custas da seriedade da história. Krypto, o supercão, é um caso à parte: absolutamente adorável, engraçado e, para quem adora cães como eu, impossível de não provocar um sorriso de orelha a orelha sempre que aparece em cena.
Nota para as duas cenas pós-créditos meramente cómicas e sem impacto narrativo para a obra ou para futuras entradas na saga.

Conclusão
"Superman" não é perfeito. Tem problemas de ritmo, excesso de personagens e algumas soluções narrativas pouco elegantes. Mas enquanto introdução cinemática oficial à nova DCU, cumpre com o mais importante: estabelece com sucesso os pilares centrais da saga, dá-nos um protagonista à altura do nome e um cineasta com uma visão clara do que quer construir. David Corenswet é o Super-Homem que esta geração precisa: um símbolo de bondade, esperança e, acima de tudo, de ação guiada por convicção. Rachel Brosnahan e Nicholas Hoult completam um trio central de enorme qualidade e, mesmo com as suas falhas, é difícil não sair do cinema satisfeito. James Gunn entrega uma carta de intenções clara: o futuro da DC está em boas mãos. Que venha o resto deste primeiro capítulo "Gods and Monsters" do estúdio. Se for este o caminho, talvez, finalmente, a DC consiga voar tão alto quanto o seu herói maior.
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