Palco Principal – Os Ciclo Preparatório chegaram aos ouvidos do público em março de 2012, com o tema Lena Del Rey, que integrou a coletânea “Novos Talentos Fnac”. Desde então, a vida do coletivo nunca mais foi a mesma…

Hugo Dantas: Desde aquele mítico mês de março, em que o Pedro Troia convidou os elementos da banda a formar o Ciclo, o percurso tem sido de trabalho muito intenso. Eles já tinham material próprio, são pessoas que gostam muito de música, que tiveram bandas de garagem, por assim dizer. O Pedro ajudou com toda a experiência que tem, foi uma questão de trabalhar o que tinham e construir coisas novas. Muitas das suas influências foram trazidas para a banda. Ou seja, este trabalho conjunto existe de há um ano para cá. É um trabalho feito por pessoas que já estão há muito tempo com melodias na cabeça e experiências que querem contar em forma de música.

PP – Consegue defini-los numa só palavra, como banda?

HD – A palavra família é uma definição possível. Os membros do Ciclo têm, entre si, ligações próximas e familiaridade a fazer canções. Identificam-se muito com o que fazem, não têm problemas que outras bandas possam ter, de dualidades e rivalidades, porque gostam muito uns dos outros e da música que cada um faz. Têm influências semelhantes, um tronco comum, embora haja, claro, as diferenças naturais. São uma família e tudo o que acontece nela: aprendizagens, amizade mútua e este filho que nasceu – o álbum de estreia. Esperemos que, neste último aspeto, seja uma família numerosa…

PP – O primeiro single do projeto chama-se Lena Del Rey; o mais recente Lena d’ Água. O nome Lena tem, para os Ciclo Preparatório, algum significado especial?

HD – Tem, embora seja um bocado misterioso. Podemos dizer que o Ciclo tem uma espécie de obsessão por Lenas e já se sabe que as obsessões não se explicam facilmente. O que é certo é que as Lenas representam algo muito especial no álbum – afinal, são os dois primeiros singles. Muitos pensam que Lena Del Rey foi inspirado na Lana Del Rey, que não é para aqui chamada! É apenas uma coincidência engraçada. Já a Lena d’ Água foi uma convidada de honra, excecional. Deve haver uma ligação mística entre as duas… Talvez seja um sinal de continuidade que o Ciclo quer fazer passar.

PP – Qual a história por detrás do título do álbum de estreia, “As viúvas não temem a morte”?

HD – A história é bastante engraçada. Não há um momento específico em que se tenha dito “epá, vamos fazer aqui uma brincadeira engraçada com o título, dar ao álbum tal nome”. O título surgiu de uma constatação muito simples: por que é que as viúvas não temem a morte? Resposta: A partir do momento em que perdem a pessoa com quem partilharam a vida toda, já não estão propriamente à espera de nada melhor que possa acontecer. Não temem a morte – é como se esta fosse uma passagem. Este álbum é feito a partir de muitas sensações, ocasiões, recordações e, no fundo, o que o título exprime é esta sensação de continuidade com o que está dentro do disco. Este começa num crescendo e vamos, lentamente, sentindo uma sonoridade mais melancólica, como se fosse uma despedida, e acabámos por nos apresentar aos deuses na última canção. “As Viúvas não temem a morte” é a forma do Ciclo dizer que houve uma parte da música portuguesa que começou agora. A música portuguesa não é viúva dos grandes autores que a fizeram no passado. Não teme a morte. O Ciclo vem fazer muitas coisas que pareciam perdidas, caducadas, mas que, afinal, não estão.

PP – As imagens oficiais que apresentam remetem-nos para os anos 70, parecem saídas de um cenário como o “Depois do Adeus”. Qual o propósito desta estética?

HD – O propósito é, precisamente, esse reviver das tradições portuguesas. Todos os membros da banda gostam muito desse período e têm a sensação de que a década de 70 acabou cedo de mais. Dez anos não chegaram para o que havia naquela época. Portanto, o que o Ciclo vem fazer de uma forma refrescante, 30 anos depois, é tentar resgatar um pouco do que ficou por dizer sobre essa época, mas de forma original. No fundo, é a versão dos anos 70 e 80, versão rapazes e raparigas entre os 16 e os 21 anos. É a interpretação que eles fazem, sabendo que aquele período, de extrema originalidade na música portuguesa, merece ser trazido de novo à recordação dos ouvintes, quer dos mais novos, quer daqueles que se irão lembrar de algumas músicas que se fizeram então. Não só a sonoridade como também a estética parecem saídas da loja A Vida Portuguesa, de um Portugal do século XX, que já lá vai há algum tempo. Os Ciclo fazem música não só para os ouvidos, mas também para os olhos, numa perspetiva de sonho: não se pode voltar atrás no tempo, mas pode ouvir-se e ver a banda a fazer coisas que só se faziam naqueles anos.

PP – De onde vem a ingenuidade, a mestria e a doçura presente nas suas composições?

HD – A ingenuidade e autenticidade dos Ciclo vem mesmo deles. São verdadeiramente sonhadores, às vezes um pouco demais. O sonho de querer fazer algo diferente pode ser menosprezado, mas é uma coisa muito original, que vem do interior. Tudo o que acabou no disco passou pelas mãos dos membros da banda. Não deixou de ser relatado um único momento que os tenha marcado.

PP – Os Ciclo cantam: “Eu vou dar a volta ao mundo / para roubar mais um segundo / quero beijos teus”. Com quem gostariam eles de dar a volta ao mundo e roubar mais um segundo?

HD – Para além da Lena d’ Água, com quem irão dar a volta ao mundo ou, pelo menos, por Portugal, com as pessoas a quem ainda não conseguiram roubar mais um segundo. Talvez algum elemento das Doce poderia desempenhar o papel de viajante pelo mundo (risos).

PP – E nessa volta ao mundo quais seriam os três items essenciais à sobrevivência dos Ciclo Preparatório?

HD – Um livro nunca pode faltar, não é? Como se trata de uma volta ao mundo, talvez não fosse totalmente desprezível levar um manual de construção de botes, para o caso de haver alguma emergência. Ou a Bíblia, que é mais clássico. Levavam também qualquer música que não fosse a deles, que essa já estão fartos de ouvir - qualquer coisa como Heróis do Mar, Beatles… Levariam, também, papel, caneta e uma guitarra. São pessoas que não conseguem viver sem música, sem um pedacinho de papel para escrever uma quadra, sem uma guitarra para fazer uns acordes.

PP – Por acaso, o último tema do disco soa a Heróis do Mar….

HD – Os Heróis do Mar marcaram uma época extraordinária na música portuguesa, não se pode dizer que não tenham sido uma inspiração. Muito do que os Heróis do Mar tinham de excêntrico – as botas que usavam, os estandartes com a cruz de Cristo… - foi herdado pelo Ciclo. Para além de influenciaram a música, influenciaram a imagem.

PP – É um tema curioso, este…

HD – É um tema que cria uma ligação entre o que é a vida presente das viúvas, a morte e entre quem unifica isto tudo, que são os deuses senhores da vida e da morte. A partir da Carpideira, e depois com este tema final, o álbum começa a ganhar uma dimensão mística, que poderá dar a ideia de que se está a efetuar uma travessia para outro estádio da realidade. Há uma passagem nessa música – “O céu só há para quem souber dormir e sonhar” – que explica toda a música. O céu, essa terra prometida, só existe mesmo e só irá ser compreendido por quem souber dormir, sonhar. O céu encontra-se em pequenas coisas, até no álbum dos Ciclo. Esse tema é um aceno de despedida, de sabor quase evangélico. Eu diria até que simboliza a promessa de vida futura. É um até já aos álbuns.

Sara Fidalgo

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