![Dead Combo no Coliseu dos Recreios: Um regresso fora do normal](/assets/img/blank.png)
Num ambiente intimista, luzes baixas, e num teatro à moda dos Dead Combo, a dupla nacional - que está no número um do top de vendas em Portugal e que no dia de lançamento de “A Bunch Of Meninos” ficou em primeiro lugar no Spotify - apresentou-se num coliseu fora do normal.
De costas para a habitual plateia, fez-se a noite de instrumentais fortes e vincados. Deixem-me explicar. O concerto fugiu aos trâmites normais do coliseu e a plateia deixou de ser plateia para ser um pano de fundo para os presentes - palco principal passou a acolher o público e o espetáculo aconteceu nas traseiras do coliseu.
Dead Combo viraram - literalmente - a emblemática sala de espectáculos lisboeta ao contrário para mais um concerto de ouro ao qual apenas poucos mais de 400 sortudos tiveram a oportunidade de assistir.
Numa tela por trás dos senhores da noite, as palavras de ordem abrilhantavam os presentes com “Dead Combo” escrito a branco. Durante todo o concerto, a tela foi elemento essencial para o cenário intimista que se pretendia.
“Povo Que Cais Descalço” e “Waiting For Nick” abriram as hostilidades, seguidos de um “Miúdas e Motas” que segundo Tó Trips, é aquilo com que todos os adolescentes sonham. “Mr. Eastwood” chega com força e acaba com um reverberar das cordas de Tó Trips num “tripanço” total. “Waits” é tocada praticamente às escuras, agora com Paulo Gonçalves fora da guitarra, dedicando-se completamente à melódica, numa sinergia entre a penumbra, as cordas, as teclas e o bater do pé no palco improvisado do coliseu, quase que perfeita.
O público subiu com os Dead Combo, trazendo todos os “meninos” para um nível igual. Não houve plateias nem bancadas. Não havia ninguém mais do que o outro. Num altar confuso feito de bibelots à altura, vêem-se santos, caveiras e flores. Flores vermelhas da cor do lenço que Tó Trips envergava ao pescoço.
“Rodada” traz um ar de Tarantino ao espetáculo. Quase que se pode ouvir num Kill Bill ou Django perto de si. Sem a loira Uma Thurman mas com Trips e Paulo Gonçalves, o palco continua às escuras num ambiente íntimo, respeitado pelo silêncio imperativo que reinava entre os presentes. Sentem-se respirações pesadas entre os acordes mais calmos da guitarra gutural e forte de Trips. O sopro da melódica continua latente mas agora com ligeiras pancadas nas teclas que nada mais fazem a não ser ruído. Ruído do bom.
Música após música são apresentados os temas a tocar, pela voz rouca e mística de Tó Trips, a parte (mais) faladora e com veia comediante da dupla.
“Pacheco” é dedicada ao guitarrista de fado que ficou conhecido por acompanhar Hermínia Silva. Só um foco mostra o palco e o altar particular dos Dead Combo desapareceu por entre as sombras. Um mini-piano de cauda (que obriga Paulo Gonçalves a estar quase sentado no chão e a bater com os joelhos nas teclas) soa pela primeira vez juntamente com as batidas suaves do aço da guitarra.
“Mr. Snowden’s Dream” traz um vídeo a preto e branco, escuro, de uma rapariga numa cama, de camisa de dormir, com um semblante confuso. Só o piano se ouve abrindo o mote para “Dona Emília”, dedicada a uma querida senhora que trabalha na ZDB (Galeria Zé Dos Bois) como explica Tó Trips. “É um ícone do bairro alto que nos aturou durante muitos anos na sala de ensaios e que põe toda a gente na ordem!”.
Imagens de palmeiras e acordes alegres enchem o coliseu afastando a escuridão dos precedentes temas. Uma mistura de música popular, um tanto ou quanto bairrista com alma fadista, lembra Portugal. Podia muito bem fazer parte de uma banda sonora de Woody Allen ou mais uma vez, Tarantino. Até um Almodóvar a adoptaria, decerto sem hesitações.
“Cachupa Man” continua com temas de um verão escuro, em cores pouco saturadas. O ritmo sobe e as luzes no palco aos poucos aumentam. Quentes. Amarelas. Pede-se praia numa noite em que a primavera foi má e deu chuva a quem saiu de casa para marcar presença num concerto instrumental. Um toque rockeiro vem à baila e a guitarra torna-se mais pesada com riffs saídos de um qualquer tema de Santana. O estilo inconfundivelmente alternativo folk funde a perfeição do instrumental apresentado pela dupla.
Em “Arraia” junta-se o contrabaixo à festa pelas mãos de Gonçalves, combatendo de frente com a sua ligeireza a forte pujança da guitarra de Trips. A alma jazz vem à baila e abre caminho para “Rumbero”, que tem nome de rum. Rum da Brasileira que é tão bom que só se vende aos turistas.
As projeções mudam de palmeiras para caveiras mexicanas. Aquelas que adoram a morte e fazem culto ao fim da vida e ao dia dos que já partiram.
Vem uma “Lusitania” sobre os senhores do jazz do hotclub da velha guarda que decidem ir passar um bom bocado ao Cais do Sodré (o de antes, não este de agora) e que acabam à chapada com dois marinheiros. Na tela vemos uma silhueta que parece um Tó Trips em ácidos: cartola característica na cabeça, parecendo estar em tronco nu, em danças tribais ou espasmos musculares - a diferença é pouca.
As próximas duas são dedicadas as filhas de ambos. Proporciona-se um ambiente mais calmo com as guitarras acústicas a passar para primeiro plano. A corda passa do aço bruto para o som suave do nylon. Há amor nos acordes e sentimentos nos balanceares de corpo enquanto se ouve o dedilhar em “Zoe Llorando” e “Welcome Simone”.
“Esse Olhar Que Era Só Teu” surgiu quando fizeram uma parceria com o realizador Bruno de Almeida. Mais tribal, com certos ritmos africanos, anglo-saxónica no seu esplendor. Ouvem-se acordes de "Povo Que Lavas no Rio" numa versão quase sintetizada.
“Eléctrica Cadente” foi a primeira de sempre da dupla, fazendo-nos recuar dez anos. Escrita para um filme de Edgar Pêra, "Um Western no Bairro Alto", mostra que velhos são os trapos e que a idade realmente é posto - dos bons. O pano por trás da dupla abre-se e vislumbra-se agora a plateia e bancadas do coliseu em toda a sua opulência. “Dos Rios” chega com a recordação de uma passagem por terras latinas e aventuras em táxis. Paulo Gonçalves fala pela primeira vez logo antes do encore, agradecendo a todos e confessando-se, com um certo embargo na voz, comovido.
E eis que chega a última da noite, homónima do álbum, para deleite de “A Bunch Of Meninos”.
O coliseu levanta-se e pede a pés juntos que a dupla regresse para mais uns minutos de elegância musical. E eis que voltam. Carismáticos e sorridentes, mas sobretudo emocionados, para o esperado encore. “Malibu Fair” ritmou o fim do concerto abrindo alas para a tão conhecida “Lisboa Mulata” de todos nós. Não houve quem tivesse saído daquele coliseu do avesso com o coração pequeno. Os corações cresceram todos numa noite fria e chuvosa que a falsa primavera decidiu oferecer, ficando na mão dos Dead Combo aquecer as almas dos presentes.
Há regresso marcado para os Dead Combo às “salas grandes”. Dia 4 de dezembro o Coliseu dos Recreios volta a receber a dupla, desta vez de frente para a plateia e com o palco só para eles. O Porto recebe-os no Rivoli, a 12 de dezembro.
Fotografias e texto: Marta Ribeiro
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