![Disco da semana: As Teorias da Evolução dos Arctic Monkeys](/assets/img/blank.png)
A leste de Sheffield, os domínios estão entregues aos álbuns "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not" (2006), "Favourite Worst Nightmare" (2007) e "Suck It And See" (2011). Nos territórios a oeste de Sheffield, a hegemonia está nas mãos de "Humbug" (2009) e, claro, do recém-nascido "AM" (2013), um disco "West Coast" que, no fundo, condensa R&B e riffs. Uma fórmula arriscada, mas quimicamente notável. Isto se seguirmos pela versão Tratado de Tordesilhas. Se optarmos pela teoria de Darwin, diremos que o primeiro modo de locomoção dos Arctic Monkeys era feito com quatro membros. A espécie evoluiu e no ano de 2013 aperfeiçoou o seu bipedismo.
De 2009 em diante, Josh Homme, frontman dos Queens of The Stone Age, revolucionou o processo produtivo do quarteto de Sheffield, provocando a cisão de que falámos acima. Na concepção dos álbuns da metade leste do novo globo, o trabalho de estúdio foi no sentido de afunilar o comportamento musical para o estilo pelo qual a banda se tornou célebre. De certa forma, "Suck It And See" é marcadamente anacrónico: seria mais lógico que tivesse antecedido "Humbug", em vez de o suceder. O que motivou esta evolução foi o simples facto de os Arctic Monkeys se terem consciencializado de que conseguiram fidelizar o seu público. Ora, com o público na palma da mão, façam o que fizerem e toquem o que tocarem no futuro, já não deixarão de ser os Arctic Monkeys. Por outro lado, não podem ficar perplexos se a decisão que tomaram for alvo de controvérsia.
Videoclip de "Why'd You Only Call Me When You're High?":
"AM" é de difícil digestão. "AM" requer um exercício hermenêutico por parte dos ouvintes, implica investimento de tempo e, acima de tudo, condescência suficiente para aceitar a mudança. Somos os primeiros a assumir que as primeiras impressões de "AM" podem ser decepcionantes. Mas, neste caso, não podemos deixar que as primeiras impressões ditem o nosso juízo final.
Economizou-se nos floreados, apostou-se mais no vazio instrumental temporário. A voz de Alex Turner é mais frequentemente forçada à solitude, abrindo-se-lhe as portas para resplandecer. Os riffs são mais ponderados, arrastados em vez de efémeros. Privilegia-se a repetição, sacrifica-se a diversidade. Os níveis de distorção caem drasticamente. O resultado é um som mais sóbrio, mais equalizado e, curiosamente, mais melancólico. A somar a isso, não passa despercebida a desaceleração significativa das baquetas de Matt Helders (baterista) sobre o prato de choques.
Basicamente, resume-se a isto: até ao último álbum, os britânicos iam a conduzir em autoestrada, dando à vontade uns 180km/h; em "AM", optaram por evitar portagens e enveredaram pela estrada nacional, onde vão agora a uns tranquilos 90km/h. Esta é a chave para a proliferação da balada na nova cena musical de Arctic. Este disco está pejado de construções unidirecionais, onde o que mais importa é canalizar a sensitividade de cada tema. Cheios de intencionalidade, os Arctic Monkeys criaram músicas em que é constante a sensação de que vai acontecer alguma coisa, surgir um clique, uma estrofe mais movimentada. Não acontece nada. É assim do início ao fim. E ainda bem. Fazer coisas complexas é mais fácil do que as fazer simples.
Videoclip de "Do I Wanna Know?":
"Do I Wanna Know?", "One For The Road" e "Knee Socks" são exemplos-mor da estrutura monolítica experimentada em "AM". Esse tipo de estrutura é excepcionalmente colmatada com a introdução inequívoca dos falsetes concomitantes de Matt Helders e Nick O'Malley (baixista). A fase experimental não se fica por aqui. Turner já havia confessado que nos seus tempos de juventude era adepto de hip-hop, porém, só agora o pudemos conferir, especialmente ao ouvirmos "Why'd You Only Call Me When You're High?", "Arabella" e "One For The Road".
Ao contrário dos restantes álbuns, "AM" (e, se quisermos, "Humbug") não é tão dançável. Foi feito para ser degustado. "Mad Sounds" e "I Want It All" quase igualam alguns dos temas de Oasis. Turner usa e abusa do vocativo, através do qual parte constantemente para o flirt, com composições com uma tónica promíscua e sensualizada. Composições que parecem querer reproduzir o diário que Turner guardava debaixo da cama durante a sua adolescência, que, convenhamos, não deve ter sido muito feliz - ou pelo menos não parece aqui. A realidade é sempre uma incógnita e a alucinação não é tão esporádica quanto isso. Tudo porque um coração foi, ao que parece, seriamente trucidado. "I wanna be your vacuum cleaner, breathing in your dust", palavras-chave do slow "I Wanna Be Yours", última faixa do álbum. John Cooper Clarke é o autor do poema, mas Alex Turner encarna-o por completo.
Na crítica a um álbum, o melhor que se poderá dizer é que o novo é muito superior a todos os anteriores. Mas não se trata de ser melhor, isso aqui nem interessa grande coisa. "AM" procura fugir à remasterização e inaugura um novo ciclo, uma nova identidade, uma identidade que nos soa bem. Resta esperar para ver se a "divisão do mundo em dois" terá continuidade no disco seguinte ou se o tratado será rasgado.
@Rui Ramalho
Comentários