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Quando o vinho da Madeira viaja entre os campos da Escócia e os estúdios de Nashville, surge uma obra-prima com o nome de «Privateering», sétimo disco a solo do antigo líder dos Dire Straits. Mark Knopfler sempre teve um «toque de Midas» para transformar em ouro tudo em que toca, literalmente. Desde os tempos de “alcateia” dos Dire Straits, passando por colaborações na composição de bandas sonoras, pela produção de álbuns de Tina Turner ou Bob Dylan ou pela sua carreira a solo, Knopfler conseguiu sempre deixar uma marca pessoal de qualidade no seu trabalho como compositor e intérprete. Depois de um ano na estrada com Bob Dylan, em que partilhou o palco com uma das lendas vivas da música norte-americana (cuja admiração é recíproca), Mark Knopfler editou este ano o seu sétimo trabalho a solo num álbum duplo com o nome de «Privateering» («guerra de corso», em português). O sucessor de «Get Lucky», de 2009, é uma acolhedora e envolvente manta de inverno construída sob sonoridades de folk, rock, música celta e o inevitável lamento sussurrado dos blues. Em paisagens preenchidas por personagens de operários, marinheiros, agricultores ou motoristas de caravanas, as canções de Mark Knopfler navegam entre o sussurro intimista de improvisações acústicas de alpendre e o som elétrico de uma Fender Stratocaster em que são óbvias as reminiscências a Dire Straits. Com menção ao vinho da Madeira na canção homónima do álbum, Mark Knopfler embarca o ouvinte entre o imaginário de antigos corsários britânicos e a sonoridade celta. A voz do compositor escocês está cada vez mais frutada com a idade, lembrando cada vez mais o travo melancólico de Leonard Cohen. Apesar de ser um álbum duplo, constituído por vinte canções, «Privateering» é daqueles que não sofre do síndrome de ter músicas só para encher alinhamento. Cada nota, cada verso, está lá por uma razão e um propósito. A forma como Mark Knopfler intercalou canções de espectros musicais diferentes numa sequência harmoniosa resultou bastante bem, agarrando-nos de imediato. De «Redbud Tree» a «Kingdom of Gold», ou de «Seattle» a «Don’t Forget Your Hat», Mark Knopfler passa em retrospetiva todo o conhecimento adquirido em mais de 30 anos de música. «Radio City Serenade», «Privateering», «Corned Beef City», «I Used To Could» ou «Dream Of The Drowned Submariner» lembram que o escocês, marinheiro de narrativas que deixam em cativeiro qualquer ouvinte, não tem parado de se reinventar em novas abordagens. Segundo fontes históricas, «a guerra de corso» é um ataque a um barco, pessoas ou bens, assim como o seu aprisionamento, por um particular ou entidade pública protegida por uma ordem jurídica ou estatal. No caso de Mark Knopfler, que tem o título de Oficial da Ordem do Império Britânico atribuído pela própria rainha Isabel II, em 1999, a sua Fender Stratocaster é como uma abordagem suave de um corsário rebelde que dá cada vez mais tesouros à Coroa Britânica. Quatro em cinco estrelas de ouro, diríamos.<
@Eduardo Santiago
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