Alison Mosshart e Jamie Hince andam a sussurrar, provocar e trocar olhares mútuos desde o início do milénio. "Keep on Your Mean Side", de 2003, apresentou ao mundo o rock esquelético, tenso e insinuante dos Kills, pouco interessado em revoluções e mais concentrado num back-to-basics que raramente saía do ambiente de garagem.
Ao terceiro álbum, "Midnight Boom", essa receita lo-fi ganhou alguns ingredientes novos, sobretudo uma muito bem-vinda aproximação à pista de dança, resultado de um reforço da electrónica e de uma produção mais apurada.

Três anos depois desse álbum de viragem - o mais elogiado do duo até à data -, "Blood Pressures" vem agora mostrar que a relativa mudança de cosmética foi uma experiência fugaz. O quarto disco dos Kills não será exactamente um regresso à casa de partida, mas também não anda muito longe. As frequentes cores pop acrescentadas por "Midnight Boom" não têm grande sucessão num alinhamento de tons mais turvos, que resgata parte da crueza, nervo e atmosfera blues pontualmente interrompidos.

O início, "Future Starts Slow", é tão imediato como os temas mais orelhudos do disco antecessor - e, melhor ainda, não se esgota ao fim de duas ou três audições -, embora seja a excepção que confirma a regra.
"Satellite", atípica escolha para single, impõe logo de seguida um tom mais denso e arrastado, desenhando um ambiente hipnótico que faz parte da identidade dos Kills desde os primeiros dias. A aspereza e intensidade rítmica aumentam em "Heart Is a Beating Drum" ou "Nail in My Coffin", com Alison Mosshart a mostrar as garras antes de as esconder em "Baby Says" ou "The Last Goodbye" - esta última com sabor a despedida crepuscular, revelando uma persona mais vulnerável do que intimidante.

"Blood Pressures" traz-nos assim uns Kills reconhecíveis do princípio ao fim do alinhamento. E se este sangue não é assim tão fresco, continua a mostrar qualidades que afastam o duo das vítimas de anemia criativa. Por aqui, o rock ainda ferve.

@Gonçalo Sá

Videoclip de "Satellite":