Tudo começou quando, na sequência de divergências internas na Fundação Brasileira, 20 anos após a sua fundação, em 8 de dezembro de 1868, alguns músicos abandonaram a filarmónica, levando instrumentos e fundando a Harmonia Mosteirense, num caso que acabou na justiça.

Desde então, os músicos que integram a Fundação Brasileira são denominados pelos rivais de "ceroulas", como forma de chacota, devido à farda que envergavam, enquanto os rivais da Harmonia Mosteirense são designados de "fandangos" (protagonistas de conflitos, ameaças) porque abandonaram, em desavença, a primeira banda.

A rivalidade entre os músicos das duas filarmónicas chegou a ter uma dimensão social, uma vez que homens e mulheres tinham de casar com pares da mesma banda.

Manuel Almeida, de 71 anos, reformado, que foi por duas vezes presidente da direção da Fundação Brasileira, recorda o que considera ser o célebre caso de um músico, que integrou a banda militar e foi sargento do exército, que se enamorou da filha do mestre da filarmónica rival.

“Isto foi o diabo! O pai da rapariga não aceitava de maneira nenhuma que ele, sendo fandango, tivesse uma filha que namorasse um ceroula”, contou Manuel Almeida à Lusa.

Manuel Almeida recorda-se também de um confronto físico entre músicos de ambas a bandas, que envolveu golpes desferidos com os próprios instrumentos, durante a festa da padroeira dos Mosteiros, que levou o bispo de Angra a impedir-lhes de prestar serviço religioso durante dois anos.

Maria Germana Matos, de 79 anos, refere que “ceroulas e fandangas não se dão” e recorda que quando as bandas davam uma volta na freguesia, no início de cada ano, a desejar bons festas, “havia pessoas que preferiam fechar-se em casa só para não verem a banda rival a tocar pelas ruas”.

Maria Germana Matos aponta um outro episódio protagonizado por um casal, em que o marido era mordomo das festas do Espírito Santo e afeto a uma banda diferente da mulher, que teve de chamar para tocar na festividade as duas filarmónicas, evitando assim problemas domésticos que se haviam instalado e que ameaçaram acabar com o casamento.

José Edmundo Pavão, reformado, de 75 anos, lembra-se que “bastava os músicos serem de bandas diferentes e estarem no mesmo local para se gerar confusão”.

“Tive um sobrinho que tocava na Fundação Brasileira e se apaixonou por uma rapariga da Harmonia Mosteirense, que lhe impôs, como condição para ficarem juntos, que mudasse de banda, o que não se veio a verificar, tendo este emigrado para os EUA, desolado. Acontecia este tipo de episódio com muitas pessoas”, declara José Edmundo Pavão.

Lázaro Matos e Manuel Almeida, respetivamente presidentes da Fundação Brasileira e Harmonia Mosteirense, apesar de considerarem que hoje estas rivalidades estão atenuadas, viram os seus músicos serem protagonistas em 2013, na sequência de uma mordomia, de uma acesa discussão que conduziu ao corte de relações entre as bandas.

As diferenças foram, contudo, ultrapassadas quando a Fundação Brasileira comemorou 150 anos de existência em dezembro, tendo convidado a banda rival para se associar às comemorações.

@Lusa