
Em entrevista à Lusa, o fundador da editora Orfeu, Arnaldo Trindade, recordou a gravação do álbum “Cantigas do Maio”, de José Afonso, do qual faz parte a “Grândola, Vila Morena”, e que ainda hoje considera “o melhor disco português de sempre”, produzido no estúdio Château d’Hérouville, em França, por onde passaram, também, nomes como os Rolling Stones ou os Grateful Dead.
“José Afonso criou um hino à revolta e hoje - está-se mesmo a ver -, quando há qualquer coisa que o povo tem que fazer, aparece logo o ‘Grândola, Vila Morena’. De facto, é o hino da revolta das pessoas que têm razão e não têm outra maneira de o fazer, de o mostrar”, disse Arnaldo Trindade, que, hoje, com 78 anos, admite participar na manifestação de sábado, se se assegurar de que é apartidária.
O antigo editor da Orfeu, uma das principais etiquetas da história da música portuguesa, lembra que, com a “Grândola, Vila Morena”, se notou que o que ali estava “era um hino a um mundo novo, de revolta, mas uma revolta interessante, porque o José Afonso, apesar de ser um revolucionário, era um revolucionário idealista, utópico”.
Por essa razão, Arnaldo Trindade apoia quem tem usado a “Grândola” em manifestações, e espera que, na próxima, se cante a segunda senha do 25 de Abril, “que seja pacífico”, mas que, além disso, acima de tudo, “mostre a vontade de querermos ser melhores, que podemos ser melhores”. “Temos todas as condições para isso, mas temos de ser conduzidos de outra maneira”.
“Cantigas do Maio” foi o quarto LP gravado por José Afonso para a Orfeu, ao abrigo de um contrato que estipulava o registo de um álbum por ano, pelo cantor nascido em Aveiro, sob o selo da editora que sempre manteve o escritório na rua de Santa Catarina, no Porto.
Arnaldo Trindade, que ainda guarda o último álbum de José Afonso em vinil, com um autógrafo que inclui a referência “O Porto é uma nação!”, destaca o que se passou a 15 de setembro do ano passado, como “o levantamento pacífico de um povo que não se sente bem”, e de “uma juventude que não tem saída”, dando como exemplo o caso de netos seus, um dos quais emigrado na Bélgica, e outro, uma neta formada em Psicologia, a trabalhar numa confeitaria.
Para o editor, que atualmente acorda de madrugada para se dedicar à escrita poética, o simbolismo da canção está a ser cumprido: “Há qualquer coisa que está errada, que não funciona. A ‘Grândola’ é mesmo para isso”.
@Lusa
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