Pela primeira vez este ano, assistiu-se a uma verdadeira enchente de campistas na praia fluvial que rodeia o acampamento. Toalhas de praia e chapéus-de-sol multiplicavam-se pela relva, e dezenas de barcos (ou pseudo barcos) transformavam, como já é habitual, o pequeno trecho do rio num porto movimentado. O jazz da Mizi Band e a poesia de O CoPo revelaram-se um belo entretenimento para quem não aproveitou a tarde para pôr o sono em dia.

O apelo do rio era, ontem, tão forte que, quando os The Wave Pictures iniciaram os concertos dentro do recinto, pouco mais de uma centena de pessoas os aguardava, em frente ao palco. A banda arrancou com Spaghetti – um bom exemplo da sonoridade explorada pelo grupo e das letras algo nonsense de que se fazem valer habitualmente. Ao longo do concerto foram chegando, ainda que a um ritmo reduzido, mais pessoas, que iam aderindo, lentamente, às canções do grupo, que não poupou elogios ao jantar que lhes foi oferecido – nada mais nada menos do que quiche!

Os Gang Gang Dance subiram ao palco principal do certame às 18h30 e tiveram uma receção semelhante à oferecida anteriormente, à banda britânica, com a maioria a preferir sentar-se não muito perto do palco, usando para o efeito folhas de jornal ou outros materiais entretanto improvisados. O próprio género musical explorado pelo grupo liderado por Lizzi Bougatsos parecia destocar com as preferências dos presentes, com a música eletrónica experimental a não conseguir fazer a assistência esquecer o cansaço já acumulado dos dias anteriores e a preguiça que o sol, ainda forte, não fazia fugir. O ponto alto do concerto foi mesmo o bailarino/espetador caricato que, de toalha ao ombro, gongo ao peito e um ramo de salsa na mão, não parou de dançar à volta dos elementos da banda.

De volta ao palco Vodafone FM, os britâncos I Like Trains pareceram não convencer o público, composto mais por curiosos do que por fãs, nem mesmo com a interpretação do seu mais recente single, Mnemosyne, que não obteve mais do que uma receção morna por parte dos presentes, que não se mostraram preparados para o post-rock não instrumental do projeto, alegadamente inspirado nas grandes tragédias da vida.

Entretanto, no palco EDP, começou a atuar a primeira grande banda da noite – Of Montreal. O grupo norte-americano é liderado por Kevin Barnes, que chamou para si toda a atenção do público, entrando em palco de vermelho, com lágrimas gigantes a escorrerem-lhe pela cara, corte de cabelo assimétrico e atitude simultaneamente sedutora, andrógena e teatral. O indiepop dançável e as letras quase brejeiras de Barnes cedo conquistaram o público, com Coquet Coquette a sagrar-se o momento do concerto, a par com as mudanças de roupa do vocalista, detentor, possivelmente, dos calções mais curtos do mundo.

Apesar da festa rija no palco principal, muitos foram os que foram subindo em direção do palco secundário, para a atuação dos Deer Tick, responsáveis pela maior enchente da noite do palco secundário. Trouxeram consigo o recente “Divine Providence”, que evidencia mais um passo do grupo na direção do rock, em detrimento do country alternativo que marcou os seus primeiros discos. A mudança pareceu agradar o público, que mostrou conhecer a maioria das canções – mesmo as menos badaladas. A voz esforçada do vocalista John McCauley lembrou, por vezes, a de Ryan Sambol, dos The Strange Boys, que também já pisaram o mesmo palco. Ashamed, música que abriu o concerto, e o brinde ao público, seguido da destruição dos respetivos copos, foram os dois momentos mais memoráveis do espetáculo.

A imagem de Erlend Oye, dos Kings of Convenience, a navegar num barquinho no rio Coura enquanto toca cavaquinho tornou-se um lugar-comum nas conversas dos festivaleiros este ano, seja para explicarem aos estreantes o ambiente bucólico único do festival, seja para justificarem a presença no cartaz de 2012 dos The Whitest Boy Alive – projeto que Oye partilha com músicos alemães. Não é de admirar, portanto, que a receção ao músico norueguês tenha sido uma das mais calorosas desta edição.

Erlend Oye mostrou-se em casa, fazendo piadas sobre o número de países já visitados pela banda. Portugal seria, já agora, o 39º ou 40º, dependendo se Hong Kong entrava na contagem como um estado independente ou não. Já o indiepop e funk do grupo revelou-se contagiante, com a plateia a evidenciar um prazer genuíno em ouvi-los. Gravity e Courage revelaram-se verdadeiras delícias para o público, que veria mais tarde Intentions a ser apresentada por Oye com um elogio cantado à palavra saudade.

A sorte de alguns é o azar de outros e os School of Seven Bells estão entre os mais azarentos que passaram pelo certame, certamente. Começaram a tocar pouco depois dos The Whitest Boy Alive, que muito prolongaram a sua atuação, acabando as duas performances por decorrer em simultâneo, sem a habitual pausa que permite assistirmos a pelo menos meia hora de cada concerto. Como tal, os School of Seven Bells atuaram apenas para algumas centenas de fãs. O bom da coisa é que, os que assistiram à sua atuação, conheciam bem as músicas, aplaudiam e dançavam como se não houvesse amanhã. Foi uma espécie de festa privada, que deu a oportunidade de ver e ouvir ao vivo as canções do recente “Ghostory”.

Há cerca de um ano, começou a falar-se sobre uma nova voz feminina no panorama musical britânico. Faziam-se comparações com PJ Harvey e a Ennio Morricone, responsável pela banda sonora de “O Bom, o Mau e o Vilão”. Tratava-se de Anna Calvi. Após “Desire” ter começado a fazer parte da playlist das rádios nacionais, as comparações diluíram-se um pouco. Contudo, quando a cantora abriu o concerto com Rider to the Sea, foi difícil esquecê-las, com Calvi a parecer pertencer a um universo western cheio de solos de guitarra.

Calvi apresenta-se algo fria. Os saltos altos são o acessório mais feminino que usa, mas parecem, em parte, ser também responsáveis pela forma rígida como agarra a guitarra. Por vezes, parece estar a segurar numa espingarda, tensa e pronta a disparar, qual John Wayne de saltos. Toca a guitarra de forma exímia. A técnica é perfeita e a voz poderosa reproduz fielmente as músicas que lhe conhecemos. No entanto, todo esse profissionalismo torna-a fria e isso custa-lhe o apreço do público, paralisado. Somente Desire, entre poucas outras, obtém mais aplausos.

Queiramos – ou não – admiti-lo, existe uma tradição britânica de grandes bandas a atuarem para grandes audiências. Sejam os The Rolling Stones ou os Oasis – há bandas que pertencem, simplesmente, a estádios de futebol cheios. Os Kasabian fazem parte desta tradição, independentemente da relação ou das parecenças entre estes e as bandas acima referidas. Tom Meigham é mais que o vocalista – é um mestre-de-cerimónias. Traz uns óculos escuros, que deve ter roubado a um soldador, que tira, entretanto, de forma a estabelecer contacto visual com o público. Dança, salta e indica aos espetadores o que fazer: quando saltar, quanto bater palmas. Não se torna chato, apenas garante que toda a gente está a divertir-se, incluindo ele próprio. O público adora.

A própria setlist escolhida édirigida àsmassas, com os clássicos, como Club Foot, a marcarem presença, a par da recente Days Are Forgotten, usada como banda sonora do anúncio do festival. Ainda assim, há espaço para algumas versões, seja dos The Beatles, lembrados no início e no final da atuação, seja de Everybody’s got to learn Sometime, em tributo a The Korgis ou então a Beck, cuja versão desse tema aparece no filme de Michel Gondry, “O Despertar da Mente”. Fatboy Slim também foi homenageado, com Praise You a introduzir Club Foot. Para todos os efeitos, os Kasabian conseguiram o que queriam: espetáculo!

Mesmo antes do concerto dos britânicos ter terminado, centenas de pessoas começaram a dirigir-se para o palco do after-hours. Era previsível que a banda responsável por Plage, uma das músicas deste verão, fosse alvo de curiosidade. A multidão acotovela-se para se aproximar cada vez mais do palco. A maioria conhece todas as músicas. O ambiente compacto faz lembrar os dias de chuva em que aquele era o único local seco do recinto.
Plage foi, obviamente, o ponto alto de um concerto, cujo único defeito foi não ter sido no palco principal, onde haveria espaço para todos.

Hoje, o último dia do festival é marcado pelo regresso dos mais que emblemáticos Ornatos Violeta, em estreia absoluta em Paredes de Coura. As expetativas e os ânimos não poderiam estar mais altos.

Texto: Henrique Mourão
Fotografias: Iris Rocha