Freddy Locks – Penso que esse compasso de espera é comum, é normal, até porque, hoje em dia, é um pouco difícil encontrarmos apoios para a nossa música, nomeadamente quando não se trata duma música muito comerciável. Eu acabei o disco exactamente em Novembro de 2008, mas tive, posteriormente, que procurar quem tivesse interessado em editá-lo – uma tarefa que se revelou infrutífera. Entretanto, no ano passado, decidi editá-lo eu. Era isso ou deitar fora as músicas. Já tinha passado demasiado tempo. O disco tinha que vir cá para fora. À última da hora, acabei por conseguir a ajuda na edição do álbum, que chegou só em Abril por uma questão de timing, antes do Verão…

PP – Que vantagens lhe trouxe a edição semi-independente do álbum?

FL – A edição semi-independente do álbum trouxe-me, naturalmente, vantagens e desvantagens. Conferiu-me liberdade para fazer apenas o que queria, para fazer o disco à minha maneira – liberdade que não se verifica quando trabalhamos numa editora muito grande, com a quel assinamos contratos, onde estamos um pouco fechados àquilo que alguém escolhe por nós. No entanto, só com as editoras grandes é que conseguimos grandes promoções. Por exemplo, o meu disco tem vendido mais do que os discos de alguns artistas que figuram no Top +, mas não aparece no programa porque não integra um grande grupo de editoras. Só fazendo parte de uma editora grande se pode estar lá, ou seja, há sempre certos meios que eu nunca irei conseguir alcançar como músico independente. É um pau de dois gumes, portanto. Não podemos é queixar-nos, ficar tristes, temos que ver o lado positivo, tentando sempre fazer boas edições de autor, tentando sempre furar o mais possível. Por exemplo, consegui a edição digital do “Seek Your Truth” através de uma editora canadiana – o que vai permitir-me chegar lá fora, a públicos do reggae estrangeiros. Nunca teria tido essa oportunidade se estivesse a trabalhar com uma grande editora. Nunca podemos perder de vista as vantagens de ser independente.

PP – Que diferenças se destacam, se compararmos o novo álbum ao anterior, “Bring Up The Feeling”?

FL – Este disco é mais maduro em todos os aspectos. Em termos musicais, houve um cuidado diferente: tem uma secção de metais e de sopros que o outro álbum não tinha, o que lhe confere uma sonoridade diferente. Tem, também, canções mais actuais, todas compostas em 2008, ao passo que o outro disco resultou de uma compilação de muitos temas que tinha vindo a fazer ao longo dos anos. “Bring Up the Feeling” era, também, mais fácil, mais Verão, mais jovem até. Este é mais adulto, mais difícil, demora mais a entrar no ouvido. Os temas abordados são mais sérios, expressam o que penso em relação à sociedade actual, indicam o meu caminho. Enfim, é inegável uma certa evolução. Até a minha voz está melhor. É normal, também estou mais velho…

PP – Está satisfeito, portanto, com o álbum. Como tem sido o feedback por parte do público?

FL – Tem sido muito positivo.

PP – Que mensagem pretende passar com “Seek Your Truth”?

FL – Cada música do álbum tem a sua mensagem concreta, mas, de forma global, a mensagem que quis passar com o novo disco está centrada na necessidade de nos sentirmos verdadeiros. Só vale a pena se for verdade. Quanto menos sinceros formos connosco próprios e com quem nos rodeia, menos livres estamos. Essa é mensagem principal de “Seek Your Truth”: busca a tua verdade!

PP – O processo de gravação do novo disco sofreu uma espécie de upgrade… Pela primeira vez conseguiu gravar, simultaneamente, dois instrumentos. Qual a importância do simultâneo na gravação de um álbum de reggae?

FL – Consegui, desta vez, gravar o baixo e a bateria simultaneamente. E, se um dia tiver oportunidade, gravarei todos os instrumentos simultaneamente: o resultado é mais orgânico. E a minha música vive muito do orgânico, dos músicos a tocar. Quando se faz reggae, quanto mais «ao vivo» for a gravação, melhor ela vai soar. Quando se ouve o novo disco, nota-se que tem um groove muito bom. A banda também ajudou, tocam todos muito bem.

PP – Optou, nestes dois álbuns, por cantar em inglês. O que motivou essa escolha? Sente que o facto de cantar em inglês lhe abre as portas da internacionalização?

FL – Quando comecei a escrever canções, comecei a escrevê-las em inglês, a pensá-las em inglês. Foi uma escolha muito natural para mim. Até porque há já nove anos que escrevo e falo em inglês diariamente, das 9h00 às 18h00. Faz parte do meu trabalho, que se desenrola à volta de turistas japoneses. Na verdade, nunca me esforcei muito para escrever em português, embora já tenta tentado. Tenho consciência que é muito difícil, é preciso ter uma certa ciência. Não tenho nada contra a língua, mas, simplesmente, não me sai naturalmente o português. E a música para mim é algo muito natural. Quem sabe, daqui a uns tempos tento novamente o português.

PP – Como olha para o panorama do reggae em Portugal, actualmente?

FL – O reggae em Portugal está melhor do que nunca, no sentido em que cada vez há mais bandas a tocá-lo bem e no sentido em que cada vez conquista mais público. Aliás, isso é geral: o reggae ganha cada vez mais adeptos em todo o mundo, é um estilo muito fácil, muito acessível. Em termos de mercado, continua, contudo, a haver muito pouca aceitação, muito preconceito no nosso país. Nas rádios generalistas e na televisão, o reggae ainda é, à semelhança do hip-hop, associado a «música do preto» ou ao Verão, por oposição ao rock, que é considerado um género anglo-saxónico, intemporal. Mas, a pouco e pouco, penso que o reggae em Portugal vai crescer, que vai conquistar o seu lugar.

PP – O reggae é, ainda, associado a bastantes estereótipos, portanto...

FL – Sim, sem dúvida. Perante um mercado pequeno – que é o que temos em Portugal -, recheado de tanta música de qualidade, percebo que se torne difícil, para quem tem um programa de rádio, escolher a música reggae, entre toda a oferta que têm. Optam, então, sempre pelo rock, que é um género mais banal, mais fácil, mais abrangente e intemporal.

PP – O que acaba por se tornar um entrave à divulgação do reggae…

FL – Sim, acontece muitas vezes perguntarem: “Freddy Locks? Mas isso é português? Isso não é português, pois não?” Há muita gente que tem o álbum em casa e nem sabe que o autor é de Portugal. Isto porque a informação chega-lhes através da Internet ou através dos amigos. É muito rara a divulgação do reggae português nos meios de comunicação ditos convencionais.

PP – É possível, actualmente, viver do reggae ou de qualquer outro estilo musical que fuja aos contornos mais comerciais em Portugal?

FL – É muito complicado, senão mesmo impossível. Resta-nos continuar a lutar, sem acumular grandes expectativas.

PP – O Metal e o Punk – os géneros musicais que o atraíram para o mundo da música – ainda fazem parte da sua vida?

FL – Vão fazer sempre parte da minha vida, de mim. Honestamente, não são estilos musicais que ouça diariamente, que façam parte do meu quotidiano, da minha realidade musical actual, mas fico sempre muito contente quando ouço qualquer um deles. Respeito-os muito e respeito muito quem os faz, apesar de, hoje em dia, estar mais dentro de outros estilos de música.

PP – Quais são, então, as suas referências musicais actuais?

FL – Gosto muito de bossa nova, de Tom Jobim, por exemplo. Tenho tendência, por acaso, para ouvir coisas muito antigas. Gosto, também, de Caetano Veloso, de Chico Buarque, de música brasileira no geral. Adoro Sade Adu – é dos projectos musicais que mais gosto, influencia-me muito na forma como componho as músicas. Bob Marley, Burning Spear, Israel Vibration, Don Carlos, enfim, bandas de reggae roots, são outras das minhas influências. Enfim, ambientes que envolvem coisas mais calmas, mais melodiosas.

PP – Nunca teve formação musical. Considera a auto-aprendizagem suficiente para o desenvolvimento de uma carreira musical de referência, em Portugal?

FL – Nunca tive formação musical, mas gostaria de ter tido essa oportunidade, apesar de que, para mim, a música sempre foi muito ligada à mensagem, à forma de estar na vida. Nunca liguei muito à parte técnica. Já tentei, no entanto, ao longo destes anos, integrar uma escola. A última vez que tentei foi, precisamente, no Hot Club, em Lisboa, onde só havia horários diurnos – os quais, trabalhando eu durante o dia, eram incompatíveis com as minhas rotinas. Mas gostava muito de vir a ter aulas, porque, à medida que fui evoluindo, fui sentindo um handicap, não tanto no que respeita a criação de músicas, mas principalmente na comunicação com os músicos. A minha banda já conta com 18 pessoas, tornando-se difícil, sem formação musical, comunicar com cada instrumento, por vezes. Um dia, se tiver disponibilidade, irei, com certeza, aprender, até porque a aprendizagem não ocupa espaço.

Sara Novais