No mesmo estádio inglês, um ano antes, a banda protagonizou um espetáculo memorável, no âmbito do Live Aid, tendo sido considerada uma das melhores performances de sempre, não só do coletivo, mas também de toda a história do pop-rock. Gerou-se alguma polémica depois do concerto de 1985,com muitos a alegarque os Queen não seriam capazes de repetir tal sucesso. Um ano depois, em 1986, os britânicos subiram ao mesmo palco, para um espetáculo que superou as expetativas, originando um álbum ao vivo, que viria a ser lançado em dezembro de 1990, e um vídeo, em formato VHS, com as imagens do concerto em questão.

Minutos antes do início do concerto em Lisboa, um membro do clube de fás da banda subiu ao palco para introduzir e contextualizar o momento que se seguiria. Estávamos em véspera de um acontecimento trágico para o mundo da música. Dia 24 de novembro de 1991 ficou marcado pela morte de Freddie Mercury. As duas datas em Portugal serviram, assim, de homenagem ao cantor britânico.

O coletivo argentino, constituído por Pablo Padin (Freddie Mercury), Francisco Calgaro (Brian May), Matias Albornoz (Roger Taylor) e Ezequiel Tibaldo (John Deacon), leva à letra o conceito de recriação. O espetáculo está pensado ao detalhe, ao mais ínfimo pormenor, desde o desenho de luzes, até ao próprio formato do palco. Fotocópia - seria a palavra certa para descrever o que se passou no Campo Pequeno, num espaço não longe de estar esgotado, onde não faltou a garra de Freddie Mercury, com todos os seus tiques e expressões associadas; o talento e a virtude de Brian May, incluindo os seus solos e as mesmas palavras com que se dirigiu ao público em 86; a presença simples e serena de John Deacon; a coordenação e a destreza de Roger Taylor, na bateria. Tudo isto aliado a um fiel público, que cantou as músicas quase todas, à exceção de uma ou outra menos conhecida, levando a que, por alguns momentos, sentíssemos a máquina do tempo a funcionar na perfeição.

Outra forma de descrever o que se passou em Lisboa, na passada sexta-feira, passaria por convidar o leitor a ver, ou rever, o espetáculo de 1986 em Wembley, pois -acredite-se - foi idêntico, salvo alguns momentos nos quais Pablo Padin ficou ligeiramente aquém do potencial do vocalista britânico. Compreensível. Não é à toa que Freddie Mercury foi, por diversas vezes, considerado uma das melhores vozes de sempre da história da música. Mesmo assim, Pablo Padin não deixou nada a desejar: até a nível de timbre as semelhanças do argentino são avassaladoras e é incrível como o espetador é obrigado a relembrar-se constantemente de que se trata de um tributo, para não cair no erro de pensar estar na presença do quarteto londrino.

Nada ficou esquecido ou foi negligenciado. Desde o solo de Brian May, que antecede o tema “Now I’m Here”, recriado na perfeição por Francisco Calgaro, até ao famoso momento de interação, protagonizado por Freddy Mercury e pelo público, que antecede o tema “Under Pressure”. Tal e qual como em 86, o público acompanhou as melodias que Freddie Mercury (Pablo Padin) cantarolou, culminadas num “fuck you!”. Este momento é um dos momentos chave do concerto de Wembley e fora também relembrado, este ano, na cerimónia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, através de uns ecrãs montados nuns camiões de leds.

Os êxitos desfilaram uns atrás dos outros, começando o espetáculocom “One Vision”, passando por clássicos como “A Kind Os Magic”, “Another One Bites The Dust”, Who Wants To Live Forever”, “I Want To Break Free”, “Love Of My Life”, “Crazy Little Thing Called Love”, “Radio Gaga” e culminando no tema “God Save The Queen”, canção que a banda britânica utilizava para encerrar os seus concertos. “Bohemian Rhapsody” obteve uma das maiores ovações da noite e teve direito, como qualquer outro dos clássicos interpretados, a um acompanhamento unânime por parte do público.

Destaque ainda para a trilogia de luxo que encerrou a noite (ou não), constituída pelos temas “We Will Rock You”, “Friends Will Be Friends” e “We Are The Champions”, que, mesmo sendo interpretadas num espetáculo de tributo, foram suficientes para arrepiar a espinha de quem assistia. Não existirão, decerto, palavras que descrevam o que terá sido assistir a tal espetáculo em 1986. No entanto, estamos em Lisboa em 2012, nenhum dos elementos presentes em palco tem qualquer ligação direta com os Queen, mas o sentimento esteve todo lá e isso levou-nos a confundir, ainda que por breves instantes, o passado com o presente.

Segundo o alinhamento oficial do concerto, a noite estava acabada e era hora de ir embora, mas os aplausos foram muitos e a emoção era tanta que a banda argentina sentiu-se na obrigação de regressar e quebrar com o alinhamento, interpretando um último hino. “Don’t Stop Me Now” foi então a canção que encerrou a noite. Todo o Campo Pequeno saltou e dançou ao som de uma das músicas mais mexidas, mais alegres e com mais dinâmica dos Queen. A energia foi tanta, que no final o local em questão estava transformado numa enorme sauna, tal foi o calor libertado pelos milhares de pessoas eufóricas com a prestação dos argentinos. A performance foi tão bem-sucedida que o título da digressão “Remember Wembley” poderia ser facilmente substituído por “Welcome to Wembley”.

Texto: Manuel Rodrigues

Fotografias: Filete