Um ano depois do concerto de apresentação do disco, um CCB perto do esgotamento recebeu Luisa Sobral, num concerto que serviu de celebração a uma carreira que, em apenas 365 dias, deu um passo de gigante, fazendo desta artista uma referência do jazz moderno português com sabor a pop.

O palco apresentava pormenores cénicos na senda de um clube de jazz de janelas abertas: os músicos vestiam t-shirts com falsas gravatas, Luisa Sobral usava um vestido preto e branco com ar muito vintage, as músicas eram acompanhadas por projeções de desenhos feitas a partir de caixas de sapatos sonhadas atrês dimensões, que mostravam salas de estar com cozinha, fachadas de prédios ou outras imagens que serviam de fundo videográfico.

Muito comunicativa e nos píncaros da boa disposição, Luisa Sobral aproveitou para fazer algumas confidências, como o facto de o pai não a deixar cantar fado dentro de casa ou de, um dia, ter acreditado no amor à distância – o que serviu de inspiração ao tema "Oversize”.

Para um concerto que Luisa Sobral disse ser especial, não faltaram momentos para isso: em “Clementine" leu um pequeno texto de Valter Hugo Mãe escrito a partir da canção, possível por um dia ter tido a lata de lhe enviar um e-mail; “Senhor Vinho”, história sobre três personagens ligadas ao fado, serviu para quebrar o tabu familiar sobre o não cantar do fado entre paredes caseiras; uma música cantada na língua de nuestros hermanos, onde Luisa Sobral assume o papel de trompete humano (e com uma certa distinção); um dueto em que o seu irmão subiu ao palco, para cantar um tema musicado a partir de um poema do tio avô de ambos; a cover de “Toxic”, tema celebrizado por Britney Spears, momento de grande disposição onde, depois de ser despenteada por ventoinhas, Luisa Sobral acaba ao comando do contrabaixo; a incomum apresentação dos músicos que com ela partilham o palco, onde, além do nome e do instrumento, explicou o porquê de gostar tanto de cada um deles; e a grande versão para “Não és homem para mim”, de Romana, que consegue transformar um tema sofridamente piroso num momento de humor destiladamente negro – simplesmente uma questão de alquimia.

No encore, Luisa Sobral aparece sentada num dos camarotes, abençoada pela luz de um candeeiro e acompanhada pela guitarra, descendo depois para que a festa termine como se um enxame de abelhas celebrasse a produção de um mel capaz de saciar a fome de um Winnie The Pooh.

Resta-nos agora esperar pelo sucessor de “The Cherry On My Cake”, para ver se este jazz inflamado pelo espírito pop continuará a servir de banda sonora a noites muito bem passadas. Como a de ontem.

Pedro Miguel Silva