Depois do final amargo da banda em 2002 (já alguns anos depois da saída do guitarrista original, Paul Gilbert, substituído por Ritchie Kotzen), o regresso anunciado da formação original em 2009 - Eric Martin, Paul Gilbert, Billy Sheehan e Pat Torpey - foi uma notícia bombástica no mundo do hard rock, com muitos fãs bastante cépticos sobre se as feridas estariam todas saradas e se a energia voltaria a ser a que os levou aos patamares mais altos da realeza rock. A melhor forma encontrada para selar a união foi o lançamento do CD "Live at Budokan", ainda em 2009, num regresso à mítica sala no Japão, país onde continuaram a ser profundamente acarinhados, quer enquanto Mr. Big, quer nas suas respectivas carreiras a solo. O disco adivinhava coisas boas, mas denunciava ainda alguma falta de entrosamento.

Seguiu-se "Next Time Around" Tour, que muitos fãs portugueses tiveram oportunidade de apanhar em Espanha no ano passado, com uma notável subida de forma. No entanto, a avaliar pelas reacções do público que compôs muito bem o novo Hard Club, no Mercado Ferreira Borges, valeu a pena a espera. A empatia foi mútua e, ao longo de mais de duas horas, trocaram-se juras de amor eterno, com a banda a prometer que o regresso a Portugal está assegurado, e com o público a demonstrar a sua fidelidade, entoando em uníssono os clássicos, mas também os seis temas do novo "What If" que integraram o alinhamento da noite.

Os Mr. Big são uma daquelas bandas curiosas, que têm o condão de atrair vários públicos, sem que ninguém fique defraudado. De um lado, temos os fãs do rock motard, que apreciam o toque sulista, mais bluesy e cru de temas como "Price You Gotta Pay", "Collorado Bulldog" ou "Road to Ruin". Não faltam, também, aqueles que conheceram a banda através de baladas infalíveis e directas como "Just Take My Heart" ou "To Be With You", o tema que os lançou para o primeiro lugar dos tops em todo o mundo. Mas apesar da sua simplicidade e do trabalho de equipa (o que é raro acontecer numa banda com tanto talento junto), o que é certo é que cada um dos músicos em palco é, reconhecidamente, um dos melhores do mundo naquilo que faz, o que torna os Mr. Big num dos projectos favoritos de todos aqueles que se interessam, também, pela componente mais técnica.

Muitos músicos da nossa praça passaram por lá para testemunhar o virtuosismo da banda mas, em especial, de Paul Gilbert (na primeira fila, podia ler-se num cartaz "Gilbert God"), mas também (e, talvez, a estrela da noite, com um imenso à-vontade em palco), Billy Sheehan, a solar no baixo como se não houvesse amanhã. Aliás, o alinhamento foi pontuado regularmente por vários solos, o que acabou, até, por cortar um pouco o ritmo do espectáculo, mas ninguém pareceu queixar-se e o difícil, mesmo, era acompanhar todos os pormenores do que se ía passando em cima do palco. Pat Torpey, mais discreto, mas também um tremendo baterista, e um Eric Martin cada vez mais endiabrado - a voz mais rouca do hard rock, que continua com cara de puto reguila - em contacto permanente com o público e saltando entre registos metal, rock'n roll e blues com uma facilidade surpreendente.

Entre 2009 e 2011, e, em especial, depois do trabalho conjunto para a composição de um novo CD, os Mr. Big voltaram a ser um colectivo e estão, hoje, mais maduros e coesos pelo que, se não os pudemos ter mais cedo por cá, fica-nos a consolação de os termos visto num dos seus melhores momentos de forma.

No total, desfilaram pelo palco 22 temas que nos permitiram acompanhar todas as fases de uma carreira que teve início em 1988. Duas covers em desbunda total remataram um encore muito aplaudido: "Smoke on Water", dos Deep Purple, e "Shy Boy", dos Talas, um dos ex-projectos de Billy Sheehan. No clássico dos Purple, a banda conseguiu surpreender alguns fãs mais desprevenidos com uma jam que trocou as voltas às posições habituais de cada um dos músicos: Pat Torpey passou para o baixo, Eric Martin agarrou-se à guitarra (e aí, voaram soutiens, à boa maneira de outros tempos...), Paul Gilbert foi para trás da bateria e Billy Sheehan deu largas ao vozeirão de tenor que empresta a muitos dos background vocals. Se nessa altura parecia que a casa vinha abaixo, o delírio chegou no solo, com nova troca de posições - Martin ficou com o baixo, enquanto Sheehan assegurou a guitarra. Terminado o solo, Pat Torpey também quis demonstrar os dotes vocais e agarrou-se ao microfone. Fica confirmada a polivalência.

A tour europeia termina em meados de Outubro e os Mr. Big reunem-se, ainda, em Dezembro para algumas datas na Indonésia. Um novo álbum ainda não está nos planos da banda, que vai parar durante algum tempo devido aos compromissos a solo dos músicos, mas os muitos vídeos made in Hard Club que já circulam pelo YouTube e a corrida aos posters para autografar no final do espectáculo não deixaram dúvidas de que o público português está pronto para nova dose e que muitos houve, também, que ficaram em casa pelo facto de ser segunda-feira, mas estão, hoje, roídos de inveja.

Marcado para as 21 horas, o espectáculo teve, na verdade, início às 20h30 com a actuação dos portuense Motel 21. A nova banda de Diogo Lima, que reune músicos que o acompanharam nos extintos projectos Nordica e Dust, fez a sua estreia ao vivo nesta noite e apresentou alguns dos temas que vão fazer parte do CD de apresentação, a lançar em 2012, entre os quais "Be My Valentine". "Back in Time", lançado pelos Dust foi, talvez, o momento mais alto desta participação, com o público que já esperava por Mr. Big mais receptivo à sonoridade melódica defendida por este projecto do que ao pop rock de sabor alternativo praticado pelos Motel 21. Tempo, ainda, para uma cover de "Uprising", dos Muse, a surgir com uma introdução de fado, uma opção respeitável e original mas que, mais uma vez, deixa algumas questões sobre a forma como as bandas portuguesas decidem ocupar o, infelizmente, curto tempo de antena disponível junto dos públicos que aguardam pelos nomes internacionais.

Uma palavra, ainda, para o Hard Club, agora no Porto, com umas instalações fantásticas. Os fãs do norte em vantagem e o Porto a candidatar-se a ser o novo destino de referência, em Portugal, para espectáculos de média dimensão. Lisboa continua a não ter meio-termo entre os pequenos clubes e grandes salas como o Coliseu ou o Campo Pequeno e arrisca-se a ficar para segundo plano.

Entrevista exclusiva com Eric Martin, brevemente.

Texto: Liliana Nascimento

Fotografias: Filipa Oliveira