O músico e compositor Manuel Faria edita na sexta-feira o seu primeiro álbum em nome próprio, “Noites Acordadas”, constituído por dez composições instrumentais de sua autoria, em que o piano é “alma mater”.
Em entrevista à agência Lusa, Manuel Faria referiu-se ao piano como uma extensão de si próprio. “Não sou um pianista virtuoso, mas é no piano que descarrego tudo, e estou sempre pronto para ir até ele”.
Manuel Faria, 67 anos, foi um dos fundadores da banda Trovante, em 1976, e no seu currículo como produtor musical, compositor e músico soma colaborações em cinema e teatro. Trabalhou com Amália Rodrigues, José Afonso, Entre Aspas, Mafalda Veiga, Sérgio Godinho, entre outros. Em 1995 criou a discográfica independente Dínamo.
O projeto de um disco em nome próprio surgiu há cinco anos, mas foi sendo adiado por várias razões. “Ora não dava jeito ou não era a altura certa, e depois meti na cabeça que tinha mesmo de fazer o disco, e comecei há cinco anos a compor o disco, e agora ficou pronto”.
Manuel Faria disse que sempre quis fazer um disco seu, “mas às vezes falta força”.
“Nunca tive muita necessidade de me pôr em bicos de pé, e nunca gostei muito de pessoas que estejam constantemente a chamar à atenção. Eu estava bem como estava, mas pelas músicas, tive pena que algumas que tinha feito, não as conseguisse fazer evoluir. Às vezes eram músicas para filmes ou documentários, e a minha vontade foi permitir aquelas músicas ganharem corpo e levantarem voo, digamos assim. Estava mais preocupado com as músicas”, acrescentou.
O título do álbum é o de uma das composições, “Noites Acordadas”, e foi escolhido entre vários possíveis, "mas banais", por sugestão do músico Pedro Ayres Magalhães, seu amigo.
O tema, como todos os incluídos neste álbum tem uma história. “Noites Acordadas” era o título de uma aguarela de Tereza Arriaga (1915-2013), pintora amiga dos pais do músico, “que tinha uma característica: nunca vendia os seus quadros”.
Manuel Faria, por ocasião do 80.º aniversário de sua mãe, quis oferecer-lhe a aguarela e fez uma permuta artística com a pintora: oferecia-lhe uma composição sua em troca da aguarela para dar à mãe. Fez a composição inspirado no nome da aguarela, num momento da sua vida em não dormia bem e tinha muitas insónias, “passava muitas noites acordado, preocupado com problemas”, contou à Lusa.
“Tentei criar um tema que vai crescendo, vai crescendo, mas que no fim se desfaz, ficando em suspenso”, disse o músico referindo o paralelismo com as insónias.
Sobre o álbum, o compositor realçou: “Tem uma coisa, que sendo instrumental, uma coisa íntima, pessoal, minha, mas ouvido por outra pessoa, continua a ser íntima e pessoal, mas diferente. A música instrumental tem esse condão, de não ser explícita”.
O álbum abre com “Caixinha de Música”, um tema que é “um elogio à simplicidade, às coisas pequenas que, no fundo, muitas vezes passam despercebidas. Uma pequenina caixinha de música ninguém lhe liga nenhuma, e eu inspirei-me naquelas caixinhas que se abriam e tinham uma pequena bailarina”.
Outro tema, “O Dia Antes”, é "uma homenagem aos militares que fizeram a Revolução dos Cravos", em 25 de Abril de 1974.
“Pode-se generalizar, mas esta música foi feita a pensar no que é que terão sentido os militares no dia 24 de abril [de 1974], antes de saírem para a rua - uma mistura de ansiedade e esperança, duas coisas que musicalmente são contraditórias e, no fundo, é difícil combinar na mesma música esperança e ansiedade. E foi este jogo que eu quis fazer, e depois mostrei a música ao Rui [Veloso] e convidei-o para tocar a guitarra, quando a música dá uma segunda volta”.
Parte do álbum foi gravada nos estúdios de Rui Veloso, de cujos pianos Manuel Faria gosta muito, e Rui Veloso foi durante as gravações insinuando que “ainda metia uma guitarrinha”, e aconteceu no tema “O Dia Antes”.
Além da participação de Veloso neste tema, o álbum conta ainda com duas outras participações: Frankie Chavez, em “Silêncio”, e a instrumentista de erhu (violino tradicional chinês), natural de Taiwan, Wei-Kang Wang, em “Oriente”.
Sobre a participação de Frankie Chavez, Faria contou: “O Frankie e eu tínhamos feito a banda sonora do documentário ‘Pare, Escute e Olhe’, do Jorge Pelicano, e há um tema, o ‘Silêncio’, que existe numa altura do documentário em que se quer recriar o ambiente do silêncio, e eu fiz um ostinato no piano, e o Frankie começou a fazer umas coisas na guitarra, e esse tema é feito de improviso. A única coisa que eu sabia é que tinha feito aquele ostinato [frase musical repetida insistentemente] sempre igual, e à medida que vamos tocando, há alturas em que a guitarra do Frankie está a seguir-me outras que estou a ir atrás dele. Foi tudo de improviso. Agora, mais tarde para o disco, fiz um arranjo para as cordas”.
O músico realçou à Lusa que “o silêncio não é a ausência de som, esta ausência é uma coisa horrível, como disse alguém; o silêncio é ponto de partida para escutar a música, o silêncio é a ausência de ruídos que nos incomodem, o silêncio tem muito som, de uma montanha ou de uma praia deserta, por exemplo”.
O grupo de músicos que acompanham Manuel Faria inclui, entre outros, Irene Lima, no violoncelo, Carlos Barretto, no contrabaixo, o percussionista Ruca Rebordão e o baterista norueguês Helge Norbakken, que tem acompanhado Mário Laginha, Joana Cipriano, em viola d’arco, e Jamie Jordan, no piano irlandês.
“Tive muita vontade de fazer este disco. Normalmente trabalho com clientes, com realizadores ou encenadores. Esta foi a única vez em que o cliente fui eu, e, se por um lado dá uma grande liberdade, há aqui uma certa solidão. Não tenho ninguém para perguntar se está bem, se está mal. E foi um grande desafio para mim, apesar de já ter muitos anos a fazer música, ter de ser eu a decidir se está bem ou mal, o que se há de pôr e tirar e, para ser sincero, tirei mais coisas do que pus. Eu gosto das coisas simples, mas isto foi uma aventura”, concluiu o músico.
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