
O conceito familiar é uma constante dos concertos dos Xutos& Pontapés. Ao entrar no recinto, deparamo-nos com grupos de fãs que integram quase três gerações: tão depressa nos cruzamos com crianças no limiar da idade para assistir a concertos, como nos deparamos com pessoas de idade já avançada, que decerto serão repetentes nas peregrinações às atuações do coletivo. É comum o logotipo da banda exibido em cachecóis, coletes, t-shirts e bonés, mas são ainda mais comuns as peças de roupa alusivas à tour em questão e, claro, os clássicos lenços vermelhos que cobrem os pescoços de alguns presentes, à imagem do vocalista Tim.
Perante um ambiente na eminência de justificar uns papéis na bilheteira com as palavras "esgotado", o coletivo embarcou no álbum "O Cerco", revisitando-o na íntegra, através de canções como a faixa-título, «Barcos Gregos» e «Homem Do Leme». É impossível não acompanhar esta última a plenos pulmões e foi mesmo isso que fizeram os milhares de pessoas que estiveram presentes na Praça de Touros lisboeta, num coro unânime, arrepiante. Aindase ouviram «Quem é Quem» e «Perfeito Vazio», do registo homónimo, e «Tonto», do disco "Direito ao Deserto", com esta última em versão acústica, pelas mãos de Zé Pedro, na guitarra, e Kalú, na voz,a ganharoutra vida, num registo mais pessoal, mais intimista.
Para fechar a apresentação de "O Cerco Continua", o coletivo tocou uma canção que aprendeu na sua ida ao Rock in Rio Brasil, em 2011. «Vossa Excelência» é um tema original da banda brasileira Titãs e foi incluído no álbum deste ano, numa versão do coletivo português. A mesma foi interpretada, na noite de sábado, como dedicatória à corrupção governamental.
A dada altura do concerto, um pano simples com o logotipo da banda, que servia de fundo de palco, caiu, para dar lugar a todo um cenário de cubos com efeitos de luz e pirotecnia, que elevaram o espetáculo para um patamar ainda mais apetecível. Tanto a qualidade da mistura sonora como a perfeição do jogo de luzes trazido para o espetáculo de sábado à noite foram excelentes exemplos da qualidade da equipa técnica que acompanha o coletivo,que, como viria a referir Zé Pedro ao microfone, já perto do final do concerto,representa"a nata dos técnicos em Portugal".
Não ficaram de lado os já habituais clássicos da banda e, numa sequência de cortar a respiração, o coletivo arrancou com «Quem é Quem» e irrompeu por temas como «Dia de S. Receber», «Chuva Dissolvente» e «Para Ti Maria». Escusado será dizer que o público respondeu com uma explosão de euforia.
Já no encore, Zé Pedro agradeceu ao público, aos técnicos e aos companheiros, e falou um pouco sobre o disco deste ano e o "Cerco" de 1985, efetuando um paralelismo entre o estado político-econômico do país na altura e o atual, deixando um sentimento de positivismo para o futuro.
Regressados ao palcos, os Xutos e Pontapés pedalaram para a última etapa da noite, iniciada em «Submissão»,econtinuada pelaparelha de luxo «Não Sou o Único» e «Contentores». É incrível a intemporalidade das músicas dos Xutos e Pontapés, que conseguem colocar avô, pai e filho a cantarolar. Sábado passado, o Campo Pequeno transformou-se num gigantesco ecossistema, que incitou miúdos, graúdos, fãs, curiosos, homens, mulheres a coexistirem em perfeita harmonia. Esta é uma das principais características da banda -a capacidade de ser amada portodos desta forma tão carismática,o que a tornanuma das maiores, senão a maior banda de culto nacional.
A ovação e homenagem prestada pelo público, no final, foi tanta, que o coletivo foi obrigado a reposicionar-se para mais dois temas, desta feita os últimos. «Para Sempre» e o hino «A Minha Casinha» incendiaram, literalmente, o Campo pequeno, com labaredas a serem lançadas no palco para a balada em questão.
Coube aos Capitão Fausto a difícil tarefa de abrir para a banda da noite, notável que eraa impaciência por parte dos presentes para o que se seguiria. No entanto, o grupo lisboeta satisfez os presentes com uma boa prestação ao vivo, cheia de experimentalismo ambiental, explorando a sua veia mais progressiva. Apesar da má qualidade da mistura proporcionada pela parte técnica do coletivo, o concerto teve os seus momentos de apogeu com os temas «Sobremesa», «Verdade» e «Teresa». Uma enorme carreira aguarda este grupo, que irá, decerto,continuar a dar cartas em palcos nacionais.
Texto: Manuel Rodrigues
Fotografias: Filete
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