No segundo e último concerto nacional da digressão europeia em torno de "Hunter" - depois de ter atuado no Hard Club, no Porto, na noite de sexta-feira -, Anna Calvi foi recebida por uma sala composta e pronta a descobrir, ao vivo, a faceta mais crua e visceral da britânica, que diz ter neste terceiro álbum o seu conjunto de canções mais direto e auto-biográfico - e dominado, como nunca antes, por letras ligadas às questões de género e sexualidade.

Mas se a cantautora nunca deixou de ser pelo menos competente ao longo de pouco mais de uma hora - tal como a sua banda de dois elementos, nas percussões e teclados -, foi quase sempre mais fácil ouvi-la do que vê-la durante boa parte do tempo. Excetuando as duas ou três canções em que se aproximou do público, através do microfone mais à frente do palco, contemplar Calvi e os músicos sem ter espectadores a limitarem a vista terá sido uma tarefa difícil para muitos, tirando talvez para quem se encontrava nas primeira filas - consequência de um espetáculo cujo público estava de pé e com a artista quase à mesma altura.

A situação foi especialmente frustrante nos momentos em que a cantora se baixou e deitou no palco, tornando impossível acompanhar o que se passava para quem não estava perto dela, tendo em conta que a atuação não contou com ecrãs que permitissem ver o que ali ia decorrendo.

Ainda assim, e isso foi uma prova de carisma e talento, a voz de "Suzanne & I" manteve o público interessado e aparentemente rendido. Não que o efeito tenha sido imediato: "Indies or Paradise", "As a Man" ou "Hunter", todos temas do novo álbum, marcaram um arranque tão correto como contido, sem especiais desvios face ao que se ouve no disco e aquém da carga mais efervescente que vinca a nova faceta de Calvi (confirmar nas fotos promocionais e videoclips mais recentes).

Mas a partir da reta final de "Don't Beat The Girl Out Of My Boy", preenchida com uivos sucessivos entre um dos maiores episódios de euforia instrumental, Calvi foi ganhando outra segurança e tomando o pulso do palco e do público. Mulher de vermelho num cenário escarlate, com aura imponente e sempre acompanhada da guitarra, acabaria por se tornar cúmplice dos espectadores sem perder a pose nem precisar de os atiçar com mimos - dirigiu-se a eles apenas para breves cumprimentos, agradecimentos e apresentação da banda.

Canções como "I'll Be Your Man" ou "Desire", duas das obrigatórias do álbum de estreia homónimo (editado em 2011), ficaram entre os momentos flamejantes de um alinhamento que também oscilou entre os sussurros aveludados de "No More Words", outra repescada da estreia, ou da recente "Smimming Pool" - com o quase silêncio a mostrar-se tão potente como a distorção atormentada.

Por outro lado, "Alpha" e sobretudo a irresistível "Wish" resultaram quase festivas, ao condimentarem um rock simultaneamente agreste e elegante com um embalo dançável. E foi decididamente uma Anna Calvi mais solta a que dominou o último terço da atuação, aproximando-se do desvario e quebra de barreiras que percorre "Hunter" com uma postura ainda teatral, mas menos metida consigo próprio do que no arranque.

Ainda mais expansivo, o encore serviu "Ghost Rider", versão dos Suicide incluída no EP "Strange Weather" (2014), final ansioso e enigmático de um espetáculo que teria sido mais memorável noutra sala ou, eventualmente, num Capitólio só com lugares sentados. Em todo o caso, a relação da britânica com o público português não parece ter sido beliscada e um concerto destes dá alguma razão, mais uma vez, aos elogios fervorosos de Brian Eno enquanto se vai afastando, tal como o novo disco, de territórios próximos da em tempos (muito) comparada PJ Harvey. Anna Calvi está a encontrar o seu lugar, espera-se que num próximo regresso possamos vê-lo tão bem como o ouvimos...