Catarina Fonseca cresceu no meio dos livros. A autora é filha dos escritores Alice Vieira e Mário Castrim e desde cedo que teve pilhas de livros ao seu lado. Com várias publicações de vários géneros editadas desde os anos 80, a autora tem várias obras dedicadas ao público infantil.

Foi com o seu mais recente texto "Eu e o Segredo do Faraó" que Catarina Fonseca venceu o Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce na fase de texto, uma notícia que diz ter sido "a melhor que recebeu na vida, porque não estava mesmo à espera" já que o número de candidatos a este prémio é sempre "absolutamente astronómico".

Foi esta distinção que serviu de mote para uma conversa sobre a carreira, a "responsabilidade" que os pais tiveram no seu percurso e sobre fenómenos recentes como o movimento #BookTok, que voltaram a impulsionar a leitura junto de uma camada mais jovem.

A sua cadela “Milinha” serviu de inspiração para a história de "Eu e o Segredo do Faraó". Como é que surgiu a ideia para a história e o que é que queria que o seu texto passasse?

O livro conta a história de um rapaz que sempre quis ter um cão e que tenta finalmente cumprir esse sonho, que era uma coisa que eu sentia desde pequena. Eu só chegando a esta provecta idade é que pude finalmente ter cão. Tentei fazer uma história que apelasse a todas as crianças. Nem todas as crianças querem um cão, mas é sonho um bocadinho transversal a todas as idades. E também é uma metáfora daquilo que nós conseguimos quando queremos muito uma coisa e quando fazemos que está ao nosso alcance com a imaginação para a conseguirmos. Neste caso é ter cão. A minha cadela Milinha foi um bocadinho a inspiração, mas como o herói desta história é um cão bebé, juntou-se o útil ou agradável.

Catarina Fonseca
Catarina Fonseca A escritora Catarina Fonseca

Agora será encontrado um ou uma ilustradora para o livro, que será lançado em novembro. Como é que é esta relação entre escritor e ilustrador? Há um processo feito em conjunto ou é algo mais isolado entre as duas partes do que se possa pensar?

Eu gosto muito de dar a liberdade ao ilustrador porque o ilustrador também conta a sua própria história, eu conto a minha e ele conta a dele. É a maneira como outra pessoa vê essa história e essa parte é muito engraçada porque esse trabalho de colaboração é um trabalho de muita liberdade e da visão de duas pessoas. Eu adoro ilustrações, é uma coisa que enriquece muito o texto e estou muito curiosa para ver as ilustrações, até porque, especialmente num livro para crianças, as ilustrações têm muita importância, porque todos os miúdos gostam de ver desenhos, todos os miúdos gostam de olhar, isso educa-lhes o olhar. Para os miúdos é tão importante a parte da ilustração como a parte do texto.

A Catarina tem várias obras editadas em vários géneros mas vários dos seus livros são infanto-juvenis, como é o caso deste “Eu e o Segredo do Faraó”. Porque é que o seu caminho na literatura acabou por pender mais para aqui?

Eu tenho vários sobrinhos e acho muita graça a escrever para crianças, porque quando nós estamos a escrever para crianças é o essencial que ali está, é a imaginação também ao poder. Uma coisa que nós, quando escrevemos para miúdos, tendemos muito a pensar é: "vou ensinar-lhes qualquer coisa ou vou passar-lhes sermão ou vou educá-los". A minha ideia é sempre: "vou diverti-los". Eu gosto muito de ler em voz alta e acho que o primeiro passo para criar um bom leitor é ler em voz alta aos miúdos, desde bebés, desde pequeninos, e noto que há muitos textos para miúdos difíceis de ler em voz alta. Quando que escrevi este texto, também me preocupei em criar um texto que fosse bom de ler, que os pais e os professores ou mesmo as próprias crianças pudessem ler em voz alta, pudessem ter essa experiência da voz, do texto que passa pela voz.

Nos últimos tempos tem-se assistido a um renovado interesse dos jovens pela literatura muito por responsabilidade das redes sociais e de fenómenos como o #BookTok, que conseguiram voltar a criar uma comunidade em torno dos livros. Como é que vê esta nova forma de interesse e de consumo de literatura?

Acho muito, muito, muito interessante. Há uns anos, viam-se muito as redes sociais como antagonistas dos livros e agora está a ver-se o fenómeno contrário: não só não são antagonistas, como são ativas promotoras da leitura, que é uma coisa que eu acho muito gira. Antes havia clubes de leitura, hoje em dia há clubes de leitura virtuais. É uma ferramenta importantíssima, tanto o TikTok como o Instagram, até há quem se intitule ativista da leitura. Portanto, é uma ferramenta muito engraçada para juntar leitores e partilhar tudo que está a ser feito, tudo o que gostam de ler, o que têm lido nos últimos tempos. Não há nada tão cativante e contagiante como o entusiasmo e o TikTok e o Instagram estão cheios de entusiastas da leitura. E isso pega-se. Porque não interessa nada dizer: "Ah, e tal, vai ler". Agora, se eu disser "gostei tanto deste livro, tens mesmo que eu ler este livro", é muito mais provável que vão ficar naquilo.

Booktok
Booktok créditos: Mariana Nunes

É uma relação talvez diferente daquela que a minha e a sua geração criou com os livros, mas o mais importante é que esse interesse e essa ligação aos livros continue a existir...

Não sei se é uma relação diferente. A maneira de chegar lá é diferente, mas depois a relação com os livros continua a mesma. Hoje em dia, o grande problema dos livros é que a respiração que é preciso ter, o ritmo dos livros, vai completamente no sentido contrário do ritmo frenético que tem toda a nossa vida. Eu vejo por mim, eu, durante a pandemia, não li um único livro. E tive de fazer um esforço consciente para regressar à leitura. Se eu tive de fazer isso, que sou pessoa rodeada de livros, imagino para uma criança que tem a sua vida toda rodeada de ecrãs, de solicitações, de coisas que mexem e têm cores e não dão trabalho. Portanto, é óbvio que para criar essa relação com a leitura, é preciso haver outros caminhos, é preciso haver outros canais. E isso é o que está a acontecer cada vez mais e acho muito bem.

Fenómenos como o BookTok não poderão dar mais espaço e impulsionar um determinado tipo de literatura, determinados géneros e deixar de parte outros géneros menos populares?

Eu sou ecuménica na leitura, acho que cada um deve ler aquilo que lhe apetecer. E quando as pessoas dizem: "mas depois pode passar disso para outros livros..." Ou não pode e está tudo bem. O que eu acho hoje em dia é que há tanto por onde escolher que é impossível não se gostar de ler. Os livros estão caros, é verdade, mas também há várias maneiras de chegar aos livros. Pode, por exemplo, ir a uma biblioteca, pode reler, pode criar uma rede familiar com amigos...

A Catarina é jornalista para além de escritora, esteve vários anos sem editar um livro. Esta pausa foi uma escolha pessoal ou foi de alguma forma também fruto dos desafios de um mercado onde é cada vez mais difícil singrar?

Claro que foi. Hoje em dia ainda é muito difícil publicar todos os candidatos a escritores, todos os escritores. Mesmo quem já escreve há muito tempo sabe isso e a a dificuldade continua. A literatura é negócio como outro qualquer, portanto, os livros têm que ser vendidos e o mercado nem sempre é favorável àquilo que nós queremos fazer. Toda a gente, todos os meus colegas escritores, sente essa dificuldade, sim. No nosso país, eu não conheço ninguém que viva inteiramente da escrita. Se há, eu não conheço. Quem seja escritor, tem de ter plano B e C e D.

A escritora Alice Vieira
A escritora Alice Vieira A escritora Alice Vieira, mãe de Catarina Fonseca

É inevitável falar da influência que os seus pais devem ter tido na sua escrita. A Catarina é filha dos escritores Alice Vieira e Mário Castrim. Os seus pais tiveram também “culpa” na sua decisão de escolher um percurso na escrita?

É óbvio que sim. É como aquelas famílias de médicos em que a pessoa não é empurrada para aquilo, mas não conhece outra coisa. Eu conto sempre esta história porque às vezes há amigas minhas que piram um bocado com os miúdos que ainda não sabem ler. Eu comecei a ler com sete anos, quase oito, e não sentia falta nenhuma. Acho que fui a última pessoa da turma que aprendeu a ler. Mas quando comecei, lembro-me de eu muito pequena com uma pilha de livros ao lado. É importante, por lado, haver pais que não stressem muito. A minha mãe dizia assim: "ela não vai ficar analfabeta até os 21 anos". Por outro lado, também é importante haver pais que respeitem esse ritmo de leitura e que deem acesso aos livros. Eu sempre tive livros, sempre vivi numa casa rodeada de livros e nunca me disseram "não leias isto", mas também nunca me disseram "vai ler". Também não era preciso (risos).

O que é que a Catarina anda a ler agora? Que livros estão na sua mesa de cabeceira?

Eu leio desalmadamente hoje em dia, depois da pandemia, voltei ao meu ritmo. Li agora dois livros de que gostei muito: da Tânia Ganho, um livro que se chama "O Meu Pai Voava". É um livro sobre o luto, mas com que eu acho que várias pessoas se vão identificar, porque é uma situação muito transversal e que toca todas as vidas. O último livro que li foi este da Carmen Posadas, que se chama "Hoje Caviar, Amanhã Sardinhas". É um livro super divertido, porque ela era filha de uma das maiores escritoras em língua espanhola, ela é filha de diplomatas. O livro conta a sua infância, a sua juventude com os pais, que passaram por vários países: passaram por Inglaterra, pela Rússia, estiveram em Moscovo, em Londres, em Madrid. O livro é tão divertido, mas tão divertido, que eu recomendo-o a toda a gente.