Ayse Barim, uma ilustre gestora das carreiras de estrelas da televisão turca, manteve-se sempre afastada da política, mas isso não evitou que fosse presa sob a acusação de 'tentativa de derrubar o governo'.
Colocada em prisão preventiva na segunda-feira, ela juntou-se a uma longa lista de personalidades que estão a ser indiciadas pelas autoridades do país, uma medida denunciada pelos partidos da oposição, que acusam o governo de usar o poder judicial para intimidar dissidentes.
As acusações contra Barim remontam a 2013, quando começaram os protestos contra os planos governamentais de urbanização do parque Gezi, no coração de Istambul. Os procuradores acusam-na de “pressionar” os seus atores a participarem em manifestações antigovernamentais, uma afirmação que ela nega.
Atores famosos, incluindo Halit Ergenc, protagonista da mundialmente famosa série de ficção história "The Magnificent Century", também estão sob escrutínio judicial como parte da mesma investigação.
Ergenc foi convocado para interrogatório a 24 de janeiro.
Para Mehmet Esen, ator e antigo presidente do sindicato turco de profissionais da indústria, trata-se de uma tentativa de estrangular o setor cultural, um dos poucos domínios não totalmente controlados pelo governo conservador do presidente Recep Tayyip Erdogan.
"Os artistas têm grande influência na Turquia. Além disso, a maioria deles são dissidentes. Posicionam-se contra a injustiça. É claro que o governo quer acabar com isso", explicou à France-Presse.
Lutas pelo poder
Os discursos proferidos por artistas em cerimónias de festivais de cinema, ou os argumentos de algumas séries de televisão turcas que batem recordes de audiência, são frequentemente críticos do governo e abordam questões prementes na sociedade, incluindo os direitos das mulheres ou a polarização entre conservadores e secularistas.
“A esfera cultural tornou-se uma área de luta pelo poder entre a oposição e o governo”, disse Goksel Aymaz, sociólogo da Universidade de Marmara, em Istambul.
Segundo Aymaz, mesmo que Barim não fosse politicamente ativa, isso não impediu o governo de considerá-la “uma força” por trás dos protestos de Gezi.
“Desde que seja uma figura proeminente no setor de séries, não importa se é politizada ou não”, explicou.
E acrescentou: “O objetivo do governo é remodelar a indústria, impondo a sua própria influência, a fim de perpetuar o seu poder.”
Presidente da Câmara de Istambul é um alvo
As autoridades turcas visam regularmente jornalistas, advogados e representantes políticos eleitos, especialmente desde o golpe fracassado de 2016 contra o governo.
Em meados de Janeiro, os procuradores abriram uma investigação contra a Ordem dos Advogados de Istambul sob a acusação de “difundir propaganda terrorista”, acusando-a de ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), listado como grupo terrorista por Ancara e os seus aliados ocidentais.
A investigação foi aberta porque os advogados pediram uma investigação sobre a morte de dois jornalistas curdos turcos na Síria, no final de dezembro, numa área onde operavam combatentes curdos.
Desde as eleições locais de março do ano passado, 10 presidentes de câmara da oposição também foram detidos, destituídos do cargo e substituídos por administradores nomeados pelo governo.
E na terça-feira, três jornalistas da estação de televisão da oposição Halk TV foram presos por transmitirem uma entrevista com um perito forense numa investigação sobre o popular presidente da Câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu.
Dois deles foram libertados sob fiança na quarta-feira, 29 de janeiro.
Imamoglu, o principal rival político de Erdogan, foi convocado para comparecer perante o Ministério Público esta sexta-feira, apesar de já ser alvo de outros processos judiciais.
Segundo os observadores, a investigação que visa o setor da televisão também poderia visar Imamoglu, que foi reeleito com alarde como presidente da Câmara da maior cidade da Turquia.
O diário pró-governo Yeni Safak já acusou Barim de usar a sua influência para apoiar o presidente da Câmara.
“O poder da justiça está a ser abusado para espalhar o medo em todas as camadas da sociedade. Não temos medo e não permaneceremos calados”, comentou Imamoglu na rede social X (antigo Twitter).
O seu principal partido de oposição, o CHP, também denunciou o que descreveu como um “clima de medo”.
“O governo está a tentar desencorajar a sociedade civil, mostrando que pode neutralizar os jornalistas ou políticos em quem confia”, disse na terça-feira o politólogo Mesut Yegen no canal privado Ilke TV.
“Está assim a tentar impedir qualquer movimento nas ruas que possa levar à convocação de eleições antecipadas”, notou.
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