A digressão, que incluiu 11 datas no Brasil, é a primeira da carreira dos Tribalistas, coletivo que reuniu em 2002 três nomes estabelecidos da música brasileira: Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. No final de 2017, o trio lançou o seu segundo álbum, com título homónimo – que inclui uma parceria com Carminho, na faixa “Peixinhos”.

Esbanjando simpatia em Lisboa, o grupo conversou com os jornalistas no sábado, no Hotel Altis, onde chegou vindos diretamente do aeroporto. O SAPO Mag esteve lá.

VIBRAÇÕES POSITIVAS

Mesmo numa conversa simples foi possível captar as boas vibrações de uma banda que fez questão de salientar o caráter espontâneo e de amizade que baliza uma parceria a três que dura há 25 anos.

Enquanto Marisa Monte fala no “amor e no respeito” que existe entre eles, Arnaldo Antunes observa que a digressão tem um sabor de celebração – por um lado em função da expectativa do público e por outro do próprio desejo dos músicos em fazer concertos em conjunto – durante muitos anos impossibilitado pelas complicadas agendas individuais de cada um deles.

A política brasileira, que até poderia ter surgido num momento em que o próprio Arnaldo Antunes lançou há alguns dias um manifesto a alertar para as dramáticas consequências de um governo de extrema-direita no Brasil, ficou de fora.

Tribalistas

Marisa Monte passou de raspão no assunto, dizendo que o primeiro álbum foi gravado num momento de maior esperança, com uma perspetiva mais positiva - e que reflete isso.

Mas a cantora prefere falar das semelhanças entre os dois registos. “O momento é bem diferente, o mundo mudou bastante e, sem combinar, os assuntos que nós discutimos e que nos inquietam surgem de forma natural na nossa criação. Mas há mais semelhanças do que diferenças em termos de método de produção – é coletivo e autoral”.

Arnaldo Antunes complementa: “Nós nos surpreendemos por, depois de 15 anos, encontrarmos ali uma magia que se preservou, uma sonoridade e uma identidade artística dos Tribalistas que era muito parecida com o primeiro. E quando entrelaçamos os dois álbuns no concerto, a forma como as pessoas reagem demonstra que a nossa história é muito coesa”. O cantor realça que a parceria já tem 25 anos e já existia dez anos antes do primeiro álbum.

SUCESSO, ESPONTANEIDADE, LONGEVIDADE

Numa banda celebra-se o prazer de se estar junto e nos encontros, como diz Marisa Monte, cada um “leva o seu bauzinho” com novas composições que depois serão trabalhadas entre todos. Não preocupa ninguém questões como o sucesso e a longevidade da banda.

No primeiro caso, afirmam terem sido apanhados desprevenidos pelo ocorrido no primeiro disco, que vendeu mais de 2 milhões de cópias no Brasil e conseguiu cinco nomeações nos Grammys Latinos. Era tudo tão espontâneo que foi impossível conciliar agendas para pensar numa digressão promocional.

Na mesma linha, ninguém sabe se haverá terceiro álbum (Carlinhos Brown acha que “devia haver”). O que persiste é a incrível química na hora de compor: conforme relatam, quando a digressão começou a ser preparada, no início do ano, os três juntaram todas as suas composições, gravadas nos seus álbuns solo ou por diversos artistas e chegaram ao incrível número de 56 temas (!).

PÁSSAROS SEM FRONTEIRAS E REFUGIADOS

O assunto mais político trazido à tona foi a questão dos refugiados, tratado com uma leveza quase lírica e profundamente humanista por Carlinhos Brown – que no início da conversa havia dito que “a música e a poesia podem conter a maior revolta que se pode ter hoje em dia”.

Tribalistas

Este é o tema de “Diáspora”, faixa de abertura e uma das mais belas do novo trabalho. Em relação aos nacionalismos, diz ele que “o mundo se esquece que só deve existir um ou outro país de estrutura social pura. A maior parte de nós somos imigrantes”.

Ao mesmo tempo, Brown fala da fome, das guerras e da inanição de um lado comparando-a com um enorme desperdício de comida do outro. “As pessoas fogem do medo, da dor, e quando enxergam um novo país ele vê a felicidade que aquele lugar pode lhe dar.

Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que ninguém está livre da possibilidade de ter de atravessar fronteiras. A forma como estamos tratando o planeta, por exemplo, pode causar terramotos, maremotos, que nos obrigam a emigrar. O mundo é do ser humano e temos de estar preparados para acolher os nossos irmãos.”

Marisa Monte complementa citando o próprio Brown: “Quando os pássaros voam e atravessam as fronteiras, eles não têm considerações por nenhuma fronteira política que tenha sido estabelecida pelos homens para dividir os lugares e ainda levam as sementes para onde eles vão”.

Mais filosoficamente, o percussionista destaca o próprio caráter migratório do ser humano – que se iniciou desde que o “homo sapiens” começou a circular pela Terra. “O mundo é para andar, para descobrir, minha gente”, brinca.