Ouviu dizer, com frequência, que era muito feio, muito baixinho e que não podia cantar. Mas o gigante de 1,65 metros, apelidado de "Aznovoice" pelos seus críticos - num jogo de palavras em inglês por "has no voice" ("não tem voz") -, vendeu mais de 180 milhões de discos em oito décadas de uma longa carreira que nunca abandonou.

O "Frank Sinatra francês" de origem arménia orgulhava-se de ter gravado os pesados discos de 78 rotações e chegou à era dos CDs, passando pelos LPs de vinil, que imortalizaram mais de 800 canções compostas por ele, incluindo pelo menos 70 em espanhol.

"Se algo de mim, ou do meu trabalho, deverá perdurar, meus discos serão amplamente suficientes", escreveu no seu livro autobiográfico "D'une porte l'autre", publicado em 2011.

De "La Bohême" a "Que c'est triste Venise", as suas atuações no mundo inteiro continuaram a reunir milhares de fãs incondicionais que aplaudiam os seus grandes sucessos melódicos sobre o amor ou a passagem do tempo.

Assim como no caso de Charles Trenet (1913-2001), a popularidade de Aznavour transcendeu idades e classes sociais, ainda que sem chegar verdadeiramente ao firmamento literário de compositores como George Brassens, Leo Ferré ou Jacques Brel.

Charles Aznavour in concert

Aznavour foi, antes de tudo, o embaixador da canção francesa no mundo e, nesse papel, podia cantar em qualquer idioma: espanhol, italiano, alemão, inglês, russo... Cantou para papas, reis e presidentes.

Em 1998, a rede CNN e a revista Time coroaram-no "artista do século".

Quando a idade começou a impor-lhe limites, Aznavour não se deu por vencido. Usava um banquinho alto e compensava a falta de memória com um ponto eletrónico.

Pouco antes da sua morte, fez uma digressão no Japão e pretendia atuar este mês em Bruxelas.

Sob as asas de Edith Piaf 

Nascido a 22 de maio de 1924, em Paris, numa família de imigrantes arménios que fugiram das perseguições turcas, Aznavour morou em Genebra durante muitos anos. Lá encontrou um refúgio fiscal e chegou a ser embaixador da Arménia, país que também representou na sede europeia da ONU.

Reza a lenda que, ao nascer, a parteira não conseguiu pronunciar o nome que os seus pais lhe queriam dar - Shahnourh -, e ele tornou-se assim um Charles mais francês.

"Paris é a cidade da minha infância; Erevan, a das minhas raízes", dizia Aznavour, que sempre reivindicou com orgulho as raízes arménias que condimentaram com um toque de melancolia até a mais alegre das suas canções.

A sua infância ficou imersa na boémia de músicos e atores em Paris. Aos 9 anos ensaiava sozinho à frente do espelho e decidiu mudar o apelido paterno Aznavourian pelo artístico Aznavour.

A sorte sorriu-lhe pela primeira vez em 1946, quando chamou a atenção da cantora Edith Piaf. No ano seguinte, ela levou-o, juntamente com o pianista Pierre Roche, para uma digressão pelos Estados Unidos.

Nos anos 1950, escreveu canções para Gilbert Bécaud, mas, a par do sucesso, vieram também as primeiras críticas.

"Quais eram as minhas desvantagens? A minha voz, a minha estatura, os meus gestos, a minha falta de cultura e de instrução", admitiu o cantor.

Aznavour manteve a sua determinação, mais forte do que aquele "véu de neblina" que cobria o timbre da sua voz. E que acabaria por ser a sua marca inconfundível e uma das chaves do seu sucesso.

A glória mundial chegou nos anos 1960, com alguns dos seus grandes sucessos: "Les comédiens", "Hier encore", "Il faut savoir"... Nessa altura, conquistou o Carnegie Hall de Nova Iorque, antes de uma digressão mundial que o catapultou para a fama com canções como "La Mamma", retomada por outros grandes nomes como Ray Charles, Liza Minnelli ou Fred Astaire.

Aznavour também apareceu no grande ecrã, em "Disparem Sobre o Pianista", de François Truffaut, entre outros filmes.

Na década seguinte, envolveu-se com novos temas, sensíveis para a época, como o da homossexualidade, em "Comme ils disent" (1972).

Em 1998, liderou os esforços humanitários para ajudar milhares de vítimas do terramoto que devastou a Arménia e, durante anos, militou a favor do reconhecimento do genocídio arménio por parte dos turcos.

"Les deux guitarres":