“Preocupados com a situação atual da sra. ministra Graça Fonseca, unimos forças e apelamos a que juntem a vossa solidariedade e contribuam para a reunião de 219 euros a entregar em mão à sra. ministra no dia 25 de maio, no Palácio da Ajuda”, lê-se no texto de apresentação da campanha de angariação de fundos, que tem o título “Não deixemos a Graça cai na desgraça”, a decorrer na plataforma GoGetFunding.

Contactados pela Lusa, os promotores da iniciativa, “um grupo de cerca de dez pessoas que trabalham em Arte e Cultura” e que preferem não ser identificados, explicaram que com esta campanha pretendem “angariar o valor máximo de referência atribuído em março a alguém da Cultura ou das Artes pelo Ministério do Trabalho, que é para quem a ministra da Cultura remete sempre tudo”.

Consideram os promotores que as propostas da ministra da Cultura para os problemas que o setor enfrenta devido à pandemia da COVID-19 “resumem-se, até ao momento, a remeter para o Ministério do Trabalho a responsabilidade de solucionar o problema destas pessoas, sendo que a maioria nem sequer é abrangida pelos apoios da Segurança Social devido às especificidades das, já de si escassas, fontes de rendimento”.

Estes profissionais querem acreditar “que a ministra da Cultura está efetivamente com as pessoas da Cultura, com os artistas, os técnicos, toda a gente que trabalha neste meio e se viu impossibilitada de trabalhar”.

E, assim sendo, concluem: “Deve estar na mesma posição que nós”.

“Ou seja, estamos a tentar arranjar dinheiro para lhe entregar para ela viver no próximo mês”, explicou um dos elementos do grupo.

Os promotores da campanha apelam a contributos de um euro – “por favor juntem-se em grupos de 10, o nosso objetivo era que fosse um contributo de 10 cêntimos apenas, mas as plataformas de coleta não o permitem” – e, até às 20:00 de hoje, já tinham reunido 58 euros.

O objetivo é atingir o valor máximo – 219 euros -, mas o grupo lembra que “por vezes não se consegue atingir o máximo”. “Mas a ministra não ficará sem valor nenhum, porque já temos 57 euros”, referiu o mesmo elemento.

Além do dinheiro, o grupo irá entregar também a Graça Fonseca um cabaz de ajuda alimentar, visto esta ser uma forma através da qual os profissionais do setor se têm “ajudado uns aos outros”.

Nas últimas semanas, foram criados pelo menos dois grupos de ajuda alimentar dirigidos a profissionais do setor da Cultura. Os grupos SOS NOS, da companhia de teatro Palco 13, e União Audiovisual começaram por fazer recolhas e entregas na zona de Lisboa e já têm núcleos espalhados do Porto ao Algarve.

“Há muita gente que não recebe nada por causa da intermitência enorme do trabalho, a que estamos sujeitos na vida toda”, recordou.

O cabaz “deverá dar para um mês, para uma pessoa para um mês dá”.

O grupo alerta que “haverá um vazio histórico se for anulada qualquer atividade cultural”. “Se ninguém escrever, se ninguém fizer música, não vai haver registo deste período histórico. Se o tecido artístico e cultural todo morrer, não vai haver registo”, afirmou um dos elementos.

Além de não dar respostas ao setor, alertam os promotores da campanha, “o Ministério da Cultura, em plena pandemia, continua a transferir milhões de euros para fundações, geridas maioritariamente por privados, como a Casa da Música (9,4 milhões) e a Fundação de Serralves (4,1 milhões), cujos gestores assumem posições de desrespeito pelos seus trabalhadores, depois de durante anos os terem sujeito a condições de trabalho perversas”.

Além disso, “a resposta da ministra é que não é nada com ela”, na Casa da Música “porque está em investigação [pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)]” e em Serralves “diz que são muito poucos trabalhadores para merecer sequer o tempo dela”.

Na semana passada, a ministra da Cultura revelou que a ACT tem em curso um inquérito sobre a Fundação Casa da Música, aberto na sequência de denúncias feitas semanas antes.

Já sobre Serralves, a ministra disse que se trata de “um número significativamente inferior” de pessoas que “tinham diferentes prestações de serviços ou contratos com diferentes entidades” que não merecem, por parte do Governo, “muitos mais comentários”.

Os espaços culturais começaram a encerrar, e consequentemente a adiar ou cancelar espetáculos, no início de março, quando a opção era ainda apenas uma recomendação do Governo. Aos poucos, a rodagem de filmes, séries e outros programas de televisão ficou parada e as galerias fecharam, deixando milhares de pessoas sem trabalho, muitas das quais trabalham ‘a recibos verdes’.

De acordo com um inquérito promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos (CENA-STE), e cujos resultados foram anunciados no início de abril, 98% dos trabalhadores de espetáculos viram trabalhos cancelados e, 33%, por mais de 30 dias.

Em termos financeiros, para as 1300 pessoas que responderam ao questionário, as perdas por trabalhos cancelados representam ainda dois milhões de euros, apenas para o período de março a maio deste ano, de acordo com o CENA-STE (o que indica a perda de um valor médio de receita, por trabalhador, de cerca de 1500 euros).

Segundo um outro inquérito, realizado pelo Movimento SOS Arte PT a 300 pessoas entre 3 e 17 de abril, 65% dos profissionais das artes - três em cada quatro - registaram fortes quebras de rendimento devido à pandemia da COVID-19.

Em março, devido à COVID-19, 62% dos inquiridos tiveram o seu trabalho completamente ou quase completamente parado, 65% viram ser completamente afetada a sua vida profissional e 75% a sua vida pessoal.