A Oficina dos Artistas no Exílio em Paris colocou uma linha telefónica urgente à disposição dos russos e ucranianos e já atendeu mais de uma centena de pessoas.
Entre elas, Gena Marvin, de 23 anos, que chegou a Paris no final de abril. Artista transgénero e 'performer', encenou obras com o corpo rodeado por fita adesiva, simbolizando "um país onde não há liberdade e onde a liberdade do meu corpo não é permitida".
Em entrevista à AFP, a artista, que saiu às ruas em apoio ao opositor Alexei Navalny, explica ser "uma espécie de terapia, uma reciclagem dos meus temores de infância".
Após o início da guerra, a ideia de ser chamada para o alistamento aterrorizava-a. Presa numa manifestação contra a invasão da Ucrânia, decidiu abandonar a Rússia quando soube da Oficina em Paris.
"Em França não tenho o mesmo medo, mas mantenho a guarda alta, porque uma pessoa que viveu com medo nunca se esquece", declara Gena.
Num dos estúdios da Oficina, o compositor e pianista de 23 anos Alexei toca um prelúdio de Rachmaninoff. Ele, que não quis revelar o apelido por motivos de segurança, também foi detido durante uma manifestação em São Petersburgo, mas recebeu um convite para continuar seus estudos de composição no Conservatório de Paris.
"Dor, vergonha, culpa"
Alexei carregava a esperança de que o presidente russo, Vladimir Putin, "deixaria de estar ali", mas agora está ciente do perigo constante. A guerra causa-lhe "dor, vergonha e culpa, porque tenho a sensação de que não temos feito o suficiente contra esse regime".
Recentemente, a polícia invadiu a escola de música onde dava aulas devido a "propaganda LGBT" na sua página do Facebook. Na realidade, foi "por causa de uma foto em que beijava o meu companheiro", assegura.
"A Rússia não é homofóbica, quem é homofóbico é o Estado russo", considera o jovem, que está a compor um tema para um filme sobre a guerra na Ucrânia. "Sinto-me como num filme", completou.
Estilista de 23 anos, Angelou declara-se uma pessoa não-binária. Num dos ateliês na Oficina dos Artistas no Exílio, exercita-se com silicone mesclado com tecidos reciclados, para desenhar um vestido.
Segundo Angelou, pessoas 'queer' eram detidas regularmente em Moscovo. "Eram obrigadas a despir-se e recebiam água fria. Compreendi que era o fim", explicou.
A retoma de atividade de Angelou deu-se depois de ter deixado Moscovo, e agora tem aulas de francês com a sua amiga Xenia, de 24 anos, atualmente decoradora. Viviam na Rússia sob o medo constante de agressões.
Judith Depaule, diretora e cofundadora da Oficina, explica que os artistas russos no exílio "formaram a ideia de que abandonaram definitivamente o seu país", com o qual "já não se identificam".
Do lado dos ucranianos há uma "onda de patriotismo", entretanto ambos sabem que "a guerra acaba nas portas da Oficina", explica Depaule.
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