O comediante afro-americano de 80 anos foi um pioneiro que derrubou barreiras raciais na televisão. Hoje, corre o risco de passar o resto da vida atrás das grades.
Se for considerado culpado de drogar e abusar da ex-funcionária da Universidade Temple Andrea Constand na sua casa na Filadélfia em 2004, poderá receber uma sentença mínima de 10 anos de prisão mais uma multa de 25 mil dólares.
Um primeiro julgamento realizado em junho terminou com a anulação do processo porque o júri não chegou a um veredicto unânime, após seis dias de depoimentos e 52 horas de deliberações.
Os 12 membros do júri para o novo processo, que durará cerca de um mês, já foram escolhidos: são sete homens e cinco mulheres. Dez são brancos e dois negros, como no primeiro julgamento.
Cerca de 60 mulheres acusaram publicamente Cosby de as ter drogado com medicamentos para abusar delas ao longo de quatro décadas. A maioria das supostas agressões já prescreveram.
Estas denúncias e o julgamento iniciado por Constand arruinaram a reputação do vencedor de vários Emmys, que de 1984 a 1992 interpretou Cliff Huxtable, um ginecologista e carinhoso pai de família na popular série de televisão "The Cosby Show".
Constand, uma canadiana de 44 anos, assegura que Cosby lhe deu comprimidos e vinho, e que em minutos ela ficou impossibilitada de se mover. Afirma que o ator a deitou no sofá, tocou nos seus seios, pôs os dedos na sua vagina, pegou na sua mão e colocou-a no seu pénis.
Cosby diz que deu a Constand comprimidos de Benadryl para aliviar o seu stress, insiste que a relação foi consensual e acusa-a de mentir para lhe tirar dinheiro.
Constand, que é lésbica mas no passado declarou ter tido relações com homens, inicialmente chegou a um acordo com Cosby em 2006, após um processo civil, mas o caso foi reaberto em 2015 quando novas provas foram reveladas.
O caso resume-se à palavra dela contra a dele, já que não há provas da agressão.
Um contexto diferente
Desta vez, o julgamento em Norristown, nos subúrbios de Filadélfia, será realizado num contexto muito diferente.
O juiz Steven O'Neill permitirá o testemunho de outras cinco mulheres que acusam Cosby, além do de Constand, uma vitória para a acusação, que quer apresentá-lo como um predador sexual em série.
"As pessoas estão dispostas a acreditar que uma aparente vítima está a mentir, mas é muito mais difícil acreditar que cinco delas estão a fazer isso", disse Daniel Filler, decano e professor de Direito da Universidade de Drexel.
"É um problema tremendo para a defesa. É como lutar uma guerra em várias frentes", apontou William Brennan, advogado proeminente de Filadélfia que acompanhou o julgamento. "A evidência mudou e a situação mudou", acrescentou.
Ao contrário do primeiro julgamento, há quase um ano, este será realizado na era do movimento #MeToo contra o abuso sexual, que derrubou dezenas de homens poderosos em Hollywood, das artes, dos meios de comunicação e da política, e gerou uma série de mudanças na sociedade americana.
"Este é um momento no qual imagino que mais jurados se sentirão mais cómodos acreditando em mulheres que são vítimas de violência sexual", disse Filler.
Ninguém sabe qual será a estratégia do advogado de Cosby, o famoso Tom Mesereau, que em 2005 defendeu com sucesso o cantor Michael Jackson quando ele foi absolvido de acusações de abusar de um menor de idade.
No primeiro processo, Cosby não deu um depoimento e o seu advogado - demitido após a anulação do julgamento - apresentou o caso em poucos minutos e chamou apenas uma testemunha.
Mesereau tentou em vão atrasar o segundo julgamento, e até pediu que o juiz fosse retirado do caso, argumentando que ele pode ser subjetivo porque a sua esposa trabalha com vítimas de abusos sexuais e uma vez deu dinheiro a um grupo que se opõe ativamente a Cosby.
"The Cosby Show" ofereceu a Cosby uma vida de fama e dinheiro após uma infância humilde com uma mãe empregada doméstica e um pai cozinheiro da Marinha americana.
Camille, a sua esposa durante mais de 50 anos, permaneceu ao seu lado.
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