Eleanora Catton venceu o Prémio Man Booker 2013, com o seu segundo romance, “Os Luminares”, sendo a escritora mais jovem (28 anos, na altura) a receber o galardão e com o romance mais longo, mas isso não a impede de sofrer os sintomas de “uma espécie de síndrome do impostor”.
Esses sintomas traduzem-se num sonho recorrente, desde que escreveu o primeiro livro, “O ensaio”, de que, num festival literário, um leitor se levanta e a acusa de não ter escrito o livro ou então lhe diz que o que escreveu não faz sentido.
O Festival Literário da Madeira, que decorre a partir de hoje, até sábado, e no qual participa, não é uma exceção, conta a escritora à agência Lusa, já que o problema se prende com o facto de estar em palco, uma experiência que considera “alienante”.
“É extraordinário ser lido por qualquer pessoa, e ser lido em tradução em países que nunca visitei antes (como Portugal!) é desconcertante e até mesmo alarmante, às vezes. Sinto-me muitíssimo afortunada por poder participar em festivais ao redor do mundo, mas, ainda assim, acho a experiência de estar no palco muito alienante”.
Eleanor Catton explica este sentimento com uma “regra de ouro” que ouviu certa vez, sobre o ‘jet leg’, segundo a qual, por cada hora de diferença horária, o viajante demora um dia para se recuperar.
“Eu sinto o mesmo em relação a estar sob o olhar do público: por cada hora no palco ou em frente a uma câmara, preciso de um dia inteiro de privacidade completa para me sentir como eu mesma novamente”.
Não obstante, a escritora neozelandesa confessa-se “ansiosa” por conhecer Portugal, visitar o campo e apreciar a comida, mas sobretudo por conhecer outros escritores e ter “conversas inspiradoras sobre livros”.
Em particular, mostra-se curiosa em relação a escritores de língua portuguesa, uma vez que o único que conhece é Machado de Assis, de quem diz ser leitora devota.
“A melhor coisa dos festivais literários é sair com uma mala cheia de livros”, afirma a escritora, filha de uma mãe bibliotecária infantil e de um pai filósofo, que lhe proporcionaram as condições ideais para uma infância “muito sortuda”, passada a ler e a conversar sobre livros.
“Quis ser escritora desde muito antes daquilo que me consigo lembrar… desde antes de aprender a ler”, conta Eleanor Catton, casada com um poeta e teólogo, com quem passa a maioria das noites a falar sobre arte e a discutir ideias.
Esta vivência é fundamental para o seu processo criativo, pois ajuda-a a moldar as suas impressões e expressões em diálogo, especialmente quando discordam, conta.
Aliás, embora reconheça que, para um escritor, a disciplina é muito importante, Catton considera “um erro 'fetichizar' muito os rituais criativos: o mais importante é aprender a prestar atenção”.
Assim sendo, quase toda a sua inspiração vem da leitura, mas são as experiências da vida real que têm “uma maneira de se mexer” quando menos espera.
Para a conceção dos seus livros, não há um momento de início, há “dúzias de pequenos começos que existem separadamente e depois colidem de maneiras inesperadas e em momentos inesperados”.
Depois de “Os Luminares”, a autora sabia que queria escrever algo contemporâneo, algo mais característico e menos formalmente barroco e, com essas “ambições vagas em mente”, começou a ler e a seguir a intuição.
Não foi fácil, reconhece Eleanor Catton, começar a escrever um novo romance, depois de vencer um prémio como o Man Booker.
“Não escrevi uma palavra de ficção durante quatro anos, o que aconteceu, em parte, porque estava com medo. Receava que, com toda o entusiasmo e exposição na comunicação social, perdesse a noção do que era boa escrita e o que era má escrita”.
Agora, cinco anos depois, está prestes a ser publicado o seu novo romance, "Birnam Wood", sobre “um grupo de ativistas na Nova Zelândia que se cruzam de forma trágica com um milionário americano”, um livro que sofreu influências das recentes leituras da autora sobre economia e teoria política.
A mesa em que Eleanor Catton participa no festival, na quarta-feira, juntamente com José Luís Peixoto e a escritora finlandesa Sofi Oksanen, vai debater a frase "o trabalho de boa ficção é consolar o perturbado e perturbar quem está confortável”, uma citação vinda do norte-americano David Foster Wallace.
Eleanor Catton diz gostar da “ficção que faz essas coisas”, mas discorda que esse deva ser o objetivo da ficção, porque “fazer suposições sobre a experiência do leitor, limita as possibilidades imaginativas disponíveis do escritor”.
Além disso, acredita que “existem confortos importantes na vida que não devem ser perturbados, e distúrbios importantes que não devem ser consolados”.
Se os livros que escreve conseguem isso, é outra história, e Catton espera que os seus romances sejam “perturbadores no sentido de serem surpreendentes e reconfortantes no sentido de serem gratificantes”.
“Mas eu também espero uma série de respostas dos leitores. Nunca deixa de me fascinar que todos leiam um livro de uma maneira completamente diferente”.
A conversa em que participa Eleanor Catton, com José Luís Peixoto, Sofi Oksanen e moderação de Ana Daniela Soares, realiza-se quarta-feira, a partir das 18:00, no Teatro Baltasar Dias, que acolhe o festival, até sábado.
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