Velina Brown juntou-se à banda norte-americana Barbez, que atuou à meia-noite desta quinta-feira, em Porto Covo, e depois seguiu para concertos em Braga (sexta-feira) e Évora (domingo). Pelo meio, vão a Pontevedra, em Espanha, país que inspira o último disco do grupo, “For those who came after: songs of resistance from the Spanish Civil War”.
Em entrevista à agência Lusa, em Sines, que, após os primeiros quatro dias de festival, em Porto Covo, acolherá outros seis dias de músicas do mundo, Velina Brown e Dan Kaufman, fundador e guitarrista dos Barbez, assumiram estar preocupados com a situação social e política nos Estados Unidos.
“Estamos a caminho do fascismo. Há tanta repressão da comunicação social, de informação verdadeira…”, observa Velina.
“Os poderes falam de ‘factos alternativos’. O cidadão normal, que tem de trabalhar mais e mais por menos e menos, tem menos tempo para ler uma variedade de jornais, sentar-se e falar sobre as coisas, ouvir ideias diferentes. As pessoas que veem na televisão gritam umas com as outras, não há um discurso inteligente”, retrata.
“É mais e mais difícil para as pessoas tomarem decisões inteligentes, estão a tomar decisões desesperadas e mal-informadas. Quando a população em geral não está informada e está assustada, fica muito vulnerável, tudo aquilo por que nos batemos, a democracia, a justiça, a igualdade, tudo isso é posto de lado porque as pessoas estão com medo. As pessoas estão a fazer escolhas erradas”, analisa.
Tal como na guerra civil espanhola, que inspira o disco dos Barbez lançado em outubro, este é também um momento “decisivo”, em que “os lados são muito claros”, constata Dan Kaufman. “De um lado, temos uma xenofobia e um racismo assustadores e, como todos sabem, o presidente [Donald] Trump foi eleito nos Estados Unidos”, lamenta.
Kaufman – que acaba de publicar o livro “The fall of Wisconsin”, sobre a transformação do estado progressista onde cresceu – aponta a “insegurança económica” e a destruição dos sindicatos e do movimento de trabalhadores como o contexto ideal para “alguém como Trump explorar” a divisão entre uns e outros.
A eleição de Trump foi “o tiro pela culatra”, diz Velina, observando que “as pessoas do campo” se insurgiram contra a elite, nomeadamente cultural, que apoiava a candidata democrata, Hillary Clinton.
“A extrema-direita é especialista em transformar a força da oposição em fraqueza”, alerta a cantora, criticando o atual momento “anti-intelectual” promovido pela direita republicana.
“As pessoas gabam-se de não ter lido um livro em 30 anos”, exemplifica. “Para onde vamos, se não é bom ter conhecimento e ser-se inteligente? Tomamos decisões baseados em quê? A partir do medo. E quando temos medo somos mais estúpidos”, frisa.
“A música pode inspirar as pessoas a olharem para a História e a unirem-se. Estas músicas [da guerra civil espanhola] são muito poderosas. Infelizmente, falam também sobre os tempos que vivemos hoje, o aumento do fascismo de extrema-direita, da xenofobia”, compara Dan.
Kaufman começou a interessar-se pela guerra civil espanhola quando descobriu que um dos seus alunos era neto de um dos três mil americanos que foram combater o regime franquista enquanto voluntários das Brigadas Abraham Lincoln.
Interessado nestes “prematuros antifascistas”, Kaufman entrevistou alguns e deixou-se inspirar “tanto pela música, como pelo heroísmo, pela solidariedade destas pessoas que foram lutar por uma causa que obviamente não era a deles, mas sentiram como deles, porque estavam a lutar contra o fascismo”.
As receitas do disco – à venda em formato CD e vinil – revertem para os Arquivos das Brigadas Abraham Lincoln, que preservam a memória desses voluntários.
“Ninguém me ensinou nada sobre a guerra civil espanhola na escola”, recorda Velina, a quem Dan falou, à passagem por Grândola, sobre “a famosa canção de Zeca Afonso”, que foi senha de revolução “pacífica” em Portugal.
Quando Trump foi eleito, Dan estava em digressão por Espanha, com outro projeto. “Ficámos muito tristes e ajudou-nos passar estas músicas [de resistência] nos bares onde tocávamos. E as pessoas vinham ter connosco e diziam ‘nós percebemos, já vivemos sob o fascismo’. Foram muito solidários connosco”, recorda.
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