“Um outro fim para a menina Júlia” é o nome da nova encenação do diretor do Nacional D. Maria, elaborada a partir da tradução de Augusto Sobral da tragédia do dramaturgo sueco (1849-1912), que esteve em cena em 2009 neste teatro de Lisboa, numa encenação de Rui Mendes.

Neste trabalho, Tiago Rodrigues põe as personagens principais da peça de Strindberg – Júlia e João (Jean) – a viverem juntos e felizes, numa pequena pensão de que são proprietários, junto a uma pequena estação de comboios.

Esta vivência de felicidade, porém – que não foi, de todo, a gizada por Strindberg para o futuro de Júlia, já que no texto original ela se suicida –, passa-se 32 anos depois do final concebido pelo autor sueco.

É um período de tempo que Tiago Rodrigues e os atores consideraram aceitável para que Júlia e João já tivessem vivido felizes, tivessem viajado, tido filhos e estivessem instalados na vida, naquela pacatez com que alguns casais se sentem confortáveis, explicou.

“Um jogo que é, em parte ironia, em parte a sério, sobre a questão desse direito que acho que a Júlia tinha e hoje então absolutamente tem - e talvez hoje tenha mais oportunidade do que há 130 anos quando o Strindberg escreveu a peça - de ainda pensar em viver e perseguir a felicidade”, justificou o encenador, na apresentação da obra.

O que propõe nesta versão da obra, é um abertura deste casal a defender-se, como ”casal feliz”, observou Tiago Rodrigues.

“Depois, cabe-nos a nós, espectadores, apreciar, opinar e pensar se realmente é uma questão ou não termos de decidir se alguém é feliz ou não, ou se não nos chega que alguém nos diga que é feliz”, acrescentou.

Uma sala de uma pensão, com um fundo azul, onde um pequeno armário e uma mesa, na qual está colocado um presunto - que ao longo da peça João vai cortando e distribuindo pelos espectadores, juntamente com copos de vinho -, foi o espaço cénico concebido por Tiago Rodrigues.

Tal como no texto original do autor sueco, Tiago Rodrigues também foi buscar Cristina, a cozinheira dos pais de Júlia e namorada do criado João, antes de a filha dos donos da casa se apaixonar pelo empregado.

Cristina, não tendo ascendido socialmente, vem, todavia, verificar se João e Júlia são tão felizes como dizem. E tenta João a ficar com ela, ainda que João opte por ficar com Júlia.

Esta é uma forma de Tiago Rodrigues introduzir algum conflito e algum dramatismo na peça, fazendo com que o amor de Júlia e João não se torne desinteressante, mas retirando o cariz trágico ao amor que o texto original do autor sueco lhes conferira.

Mostrar que vivemos num tempo em que o que Strindberg apresentava como razões para o final trágico de Júlia não podem ser assim tão fatais foi, segundo Tiago Rodrigues, um dos objetivos da peça que construiu.

“Vivemos já num tempo em que aquilo que Strindberg nos apresentava como razões para a morte da menina Júlia, no final, para o seu suicídio – ou seja, o olhar dos outros, a moral dominante, a questão religiosa, a questão de classe, o estar com um criado - podem não estar fora da mesa hoje, mas podemos fazer uma peça, hoje, tirando-as da mesa”, afirmou.

E Tiago Rodrigues acrescentou: "Ainda que se olharmos para os números de violência doméstica em Portugal desde o início de 2019, não possamos dizer que muitas dessas questões que Strindberg colocou na condição da mulher estejam 'fora da mesa', também é possível que hoje o suicídio da Júlia já não fosse a norma, já não fosse o exemplo, não fosse o final inevitável”, acrescentou.

No fundo, é como se dissesse que há várias soluções possíveis para o texto de Strindberg, mas “nenhuma é inevitável por causa da sociedade, da religião, das classes sociais ou do olhar dos outros".

Aliás, aqui o olhar do outro, ao contrário do que se passa no texto do Strindberg, “não é uma ameaça, é bem-vindo, come presunto e bebe vinho”, brincou Tiago Rodrigues com o facto de os espectadores serem presenteados ao longo da peça.

Questionado sobre o que o levou a fazer uma versão diferente de “Menina Júlia”, Tiago Rodrigues disse tratar-se de uma peça “que sempre o intrigou muito”, apesar de não se tratar de “um texto de cabeceira”, até porque nunca exerceu sobre ele “algum fascínio”.

“Não é uma peça de fascínio em que estou tão apaixonado [por ela] que não posso não a tratar, pelo contrário”, referiu.

A ideia surgiu-lhe, porém, quando, em maio de 2018, Christiane Jatahy – Artista na Cidade 2018, apresentou uma versão da peça de Strindberg, na qual a atriz que protagonizava Júlia (Julia Bernat) a determinada altura olhou para o público e questionou-o se não era possível imaginar outro final para a peça.

Foram “10 segundos” do espetáculo que fizeram com que o encenador “ficasse parado naquela pergunta e pensasse, 'ok, vou reler a Menina Júlia'”, disse. “E quis tentar outro final”, prosseguiu.

Com encenação, espaço cénico e figurinos de Tiago Rodrigues e desenho de luz de João de Almeida, a peça é interpretada por Helena Caldeira, Inês Dias, Lúcia Maria, Manuel Coelho, Paula Mora e Vicente Wallenstein.

"Um outro fim para a menina Júlia" fica cena até 24 de março, e pode ser vista de quarta-feira a sábado, às 19:30, à quinta e sexta-feira, às 21:30, e, ao domingo, às 16:30.

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