“É a primeira vez que estou a contar algo que ocorre num mundo muito pouco conhecido que é o mundo dos Mapuches, dos habitantes originários do Chile. São um milhão e tantas pessoas, mas vivem numa realidade bastante afastada do que é a realidade chilena devido ao racismo latente que existe na sociedade chilena, que é o racismo imperial, o que levaram os conquistadores e que permaneceu”, disse à Lusa Luis Sepúlveda, que esteve sexta-feira em Coimbra numa Viagem Literária e estará presente na Feira do Livro de Lisboa neste fim de semana.

A história, publicada em Portugal pela Porto Editora, surgiu quando, em 2010, na sequência do sismo de 8,8 que atingiu o Chile, o escritor foi com um grupo de amigos para a região de Tirúa ajudar a reconstruir uma escola e lá encontrou um jovem mapuche de oito anos que tinha perdido o cão.

“Perguntei-lhe por que estava tão triste e contou-me que lhe tinham tirado o cão. E perguntei-lhe quem é que lhe tinha tirado o cão. ‘Há dois dias vieram cá os 'carabineros', a polícia, olharam para o cão, disseram que era um cão fino, de raça, um pastor alemão e levaram-no. Disseram que era roubado’. A polícia fez a análise mais fácil: miúdo índio, cão fino, cão roubado. Claro. E o miúdo disse-me que o cão cresceu com ele, que também tem oito anos”, relatou Sepúlveda, que vai receber o prémio Eduardo Lourenço a 01 de julho, na Guarda.

O autor radicado em Espanha terá afirmado ao rapaz que “o que ele sentia pelo cão é muito bonito, chama-se lealdade” e terá procurado confortar o jovem: “Estou certo de que o teu cão também sente essa lealdade em relação a ti e, mais tarde ou mais cedo, vai encontrar-te, vai voltar”, disse-lhe.

A ideia ficou e a história foi passada para livro como “um bom pretexto para contar o que se passava no meio Mapuche”.

“Sempre senti que a lealdade é um dos valores fundamentais. É como a pedra sobre a qual se sustêm outros valores, sem lealdade não há amor, sem lealdade não há amizade, sem lealdade não há companheirismo, não há princípios”, afirmou o escritor.

Para Luis Sepúlveda, a “atitude do estado chileno em relação aos mapuches é odiosa, é repressiva”, negando-se “a aceitar que ali há um problema muito grande porque há uma coletividade humana a quem foi tirado o seu habitat”.

“[O racismo] é muito latente porque às mobilizações e reivindicações dos Mapuches, a resposta do Estado é sempre, com a única exceção dos três anos de governo de Allende, repressão. Mandar as tropas especiais e sobretudo aplicar uma lei antiterrorista que é odiosa”, afirmou Sepúlveda, que classifica a posição estatal de “desprezo, repressão e racismo puro”.