A mostra é uma iniciativa do Museu Nacional do Azulejo (MNAz), onde irá inaugurar para dar a conhecer não apenas as peças, mas também a sensibilidade e circunstâncias de vida das artistas, algumas mantidas “na sombra”, por produzirem num tempo de ditadura e de grande desigualdade de género.
"Esta exposição é sobre o trabalho das mulheres na cerâmica portuguesa nas últimas sete décadas, e também uma reflexão sobre o papel da mulher" nesta arte, uma das mais distintivas da cultura portuguesa, sublinhou o diretor do MNAz, Alexandre Pais, em declarações à agência Lusa durante uma visita à montagem.
Comissariada por Maria Helena Souto, a mostra tem por título "Territórios desconhecidos: a criatividade das Mulheres na cerâmica moderna e contemporânea portuguesa (1950-2020)" e procura dar visibilidade às protagonistas femininas na arte azulejar e na produção de cerâmica, dando a conhecer "uma herança desvalorizada e esquecida, mas importante, de qualidade e insuspeitamente vasta".
"Mais do que uma exposição de objetos e artística, é também sobre as vidas, as sensibilidades, as condições de vida das mulheres e as suas circunstâncias. Queremos ir para além do objeto e trazer a vivência, fazendo com que o público, ao olhar para estes objetos - parte deles existentes no espaço urbano - possam sentir-se relacionados e conectados com as obras", vincou Alexandre Pais.
O responsável disse que a equipa descobriu várias peças, muitas inéditas, que serão mostradas pela primeira vez, algumas delas encontradas nas reservas do museu, nomeadamente painéis de azulejos que se pensava estarem perdidos, dos quais existiam poucas imagens fotográficas, todas a preto e branco, "e que agora será possível ver em todo o seu esplendor".
Uma das "surpresas" saiu das vastas reservas do próprio MNAz, quando, durante as pesquisas sobre a obra de artistas mulheres, foram encontrados dois painéis de azulejos de grandes dimensões criados por Menez (1926-1995), artista portuguesa mais conhecida pelo seu pioneirismo em pintura abstrata em Portugal.
Os dois painéis, que não se encontravam referenciados - e deles existem apena duas fotografias a preto e branco antigas pouco nítidas -, foram apresentados em exposições internacionais de pavilhões de Portugal no final dos anos 1950, e não foram mais vistos.
Ambos estão agora na primeira sala da exposição, com obras de artistas da mesma geração, e o maior estende-se numa das paredes da mesma forma como foi colocado originalmente, revelando múltiplas cores.
Este trabalho desconhecido “dá uma nova dimensão da obra da pintora Menez", salientou Alexandre Pais à Lusa.
“O sentido da exposição foi analisar casos de mulheres com papéis muito diferenciados, algumas com obra conhecida, outras com obra conhecida em áreas que não na cerâmica, artistas com obra completamente desconhecida e artistas de quem temos a obra, mas não sabemos quem é a autora", enumerou.
Da artista Maria Emília Araújo - que criou, em 1972, o painel de azulejos de cerâmica em relevo para uma das faces do Edifício Caleidoscópio, no jardim do Campo Grande, em Lisboa - estão também três peças inéditas na primeira sala expositiva do museu: dois painéis e uma cabeça de mulher.
Na exposição contam-se ainda obras de casais de artistas, como João Machado da Costa e Natércia Rosa da Costa, que desenvolveram um grande trabalho de pesquisa em azulejo e esmaltes, na sala representados por duas peças dos anos 1960.
Consta ainda do percurso Estrela Faria, criadora mais associada à pintura mural, representada, por exemplo, como o artista Almada Negreiros, com obras no Hotel Ritz, em Lisboa.
As situações e condições de vida, percursos artísticos das criadoras são muito diversos nesta exposição, com obras de uma carreira "com contínuo", como Cecília de Sousa, que também tem obra pública em átrios de edifícios de Lisboa, aqui representada pela peça "Sinfonia", em contraste com Guilhermina Falagueira, de quem o MNAz possui três obras, "mas não se sabe nada dela", como artista.
Há ainda o caso emblemático da obra de Clotilde Fava, nascida em Lisboa em 1941, que estudou escultura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, iniciou a carreira como ‘designer’ e viveu em Angola, de 1964 a 1975, onde, como artista plástica, executou várias obras em cerâmica para diversas instituições.
"Fez 15 grandes murais para várias instituições internacionais em Angola, mas, durante a revolução para a independência, foram todos destruídos, e só restaram cinco peças individuais" que vão estar patentes nesta exposição, indicou o diretor sobre a obra da artista que passou a dedicar-se à pintura por ter ficado "muito marcada pela destruição" das obras.
"Não queremos fazer disto uma exposição de objetos. Queremos mostrar as artistas na sua sensibilidade tão diversa”, reiterou o diretor do MNAz, acrescentando que a ideia foi "contar as histórias com menos visibilidade".
Não é esse o caso de Maria Keil, artista "amplamente conhecida e consensual", de quem o museu apresenta também obras, mas menos conhecidas, ou Vieira da Silva, Graça Morais, Lourdes Castro e Ana Hatherly, cuja obra em cerâmica tem menos divulgação, e que fazem a transição para a modernidade, expressa na segunda sala da mostra, bem como as artistas contemporâneas.
É o caso do painel das irmãs Catarina e Rita Almada Negreiros, uma proposta em azulejo cinético, com modelação e informação que muda consoante a posição do visitante perante a obra, ou as peças de Ilda David, Fernanda Fragateiro e Joana Vasconcelos.
"O grande problema aqui é a quantidade, o universo é muito vasto. Nós optámos mais por aquelas artistas que trabalharam o azulejo e também a cerâmica tridimensional, mas tivemos o cuidado de tentar escolher quase arquétipos. Há muitas mulheres que estarão ausentes nesta mostra”, lamentou, indicando que poderão ser ainda realizadas outras futuramente, sobre as muitas histórias desconhecidas do público que ainda ficam por contar.
A equipa tentou - reunindo peças do museu e de coleções públicas e privadas - "criar uma espécie de arquétipos que permitam conhecer a riqueza e a diversidade do mundo feminino na cerâmica".
A equipa de investigação tem como comissária Helena Souto, investigadora do Instituto de Arte Design e Empresa, que dirigiu, recentemente, a vertente portuguesa de um grande projeto sobre as mulheres e o design em Portugal, o “MoMoWo: Women's creativity since the Modern Movement",
Integra ainda um grupo de especialistas nas áreas que pretendem abordar, nomeadamente Sandra Leandro, Emília Ferreira, João Paulo Martins e Pedro Ferreira (Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa), Rita Gomes Ferrão (Universidade Nova de Lisboa) e Inês Leitão (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).
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