O de sábado foi apenas o primeiro de dois concertos de Michael Bublé na maior sala de espetáculos lisboeta. Em suma, muitos suspiros, danças, glamour, sensualidade e alguns casos de histeria. Porém, até o canadiano subir ao palco, fomos deslumbrados pelos Naturally 7…
Quando sete homens sobem ao palco sem instrumentos e nos trazem alguns originais e uma mão cheia de músicas de artistas conhecidos – incluindo, por exemplo, os Coldplay – não sabemos bem o que esperar. Mas, se aquilo que fazem é música através da voz – cada um representando um instrumento – não há como não ficar rendido. Humildes, brincalhões e engraçados, os Naturally 7 já não eram desconhecidos do público português. Porém, é sempre surpreendente ver pessoas tão talentosas e originais roubarem o fôlego, suscitarem ovações e, acima de tudo, serem capazes de fazer o tempo voar até abandonarem o palco para Bublé.
Depois de nos abençoarem e agradecerem, sabíamos que o aguardado espetáculo estava prestes a começar. Rompendo, repentinamente, o silêncio, a orquestra começou a tocar e, depois de uma breve introdução foram projetadas chamas no enorme pano que os encobria. Enquanto tudo ardia, os primeiros acordes de “Fever”, original de Little Willie John, encheram o ar e, levantando apenas o suficiente da cortina para enquadrar o cantor, Bublé deslizou para a frente do palco. De smoking, Michael movia-se, sensualmente, levantando suspiros, um pouco por todo o pavilhão. A sala de espetáculos viajava no tempo, até aos anos de ouro da música ligeira norte-americana, até aos salões de espetáculos das décadas de 50 e 60, até aos casinos, aos copos que tilintam e ao cheiro a charutos e cigarros.
Sem respirar, Bublé faz sinal à orquestra – agora visível – e com “Haven’t Met You Yet”, todo o público se levanta para poder soltar uns passos de dança. E, no meio de toda a festa, o cantor dirige-se à audiência, pela primeira vez. «Como está tudo, Lisboa? Não vou mentir-vos. Sabem que não o faria neste palco. Estive aqui, há três anos, e foi a melhor audiência que alguma vez tive. Por isso tenho altas expetativas para vocês, esta noite. E espero conseguir corresponder às vossas.»
O canadiano brincou com algumas fãs das primeiras filas, tirou fotografias e conversou como público. «Desde a última vez que cá estive, para quem não sabe, fui pai. Todos os meus amigos me avisaram de que seria uma tarefa difícil: “os bebés vomitam, choram…”. E ele faz tudo isso! É verdade… é um bebé. Mas posso assegurar-vos de que é mais fácil ser-se pai do meu filho do que do Justin Bieber.»
A Bieber seguiram-se piadas sobre Michael Jackson e uma descrição detalhada de como passaríamos o resto do serão: como se estivéssemos num encontro. Haveria momentos constrangedores, ele contar-nos-ia que adora andar na praia e que o seu filme favorito é o “Diário da Nossa Paixão” e, no fim, se tudo corresse bem, acabaríamos por fazer sexo no seu carro.
Depois de mais um número incontável de gargalhadas, pudemos ouvir “Try a Little Tenderness” e constatar a quietude que se instalava quando as músicas eram mais calmas. O chão sob a orquestra começou a mover-se e os músicos deslizaram até junto do cantor. Entre painéis que se elevavam, caretas para o público, muito entusiasmo e uma mão cheia de tons de dourado chegou-nos “Come Dance With Me”.
Com o tom quente do clássico “Feeling Good” e o holofote a segui-lo por todo o palco – deixando a sua sombra para trás – éramos transportados até a um filme de um dos mais famosos agentes do MI-6. Quando a música chega ao fim, ergue-se uma das maiores ovações da noite. «Obrigado. Muito obrigado. Por favor, parem. A sério… Parem! O meu ego é um problema. Agora não faz mal nenhum mas, mais logo, quando chegar ao hotel vou olhar-me no espelho e bater palmas para o meu reflexo».
Com o interlúdio para apresentar os “All Stars”: a orquestra que o cantor, carinhosamente, apelida de “Team Bublé”, Michael sentou-se a limpar o suor e apresentou-nos cada um dos elementos em tom brincalhão. Um a um, quando chamados, os músicos fizeram um pequeno solo. De um alcoólatra em recuperação que não bebe há mais de duas horas a um homem tão calmo que os carneirinhos o contam quando vão dormir, Bublé vai roubando cada vez mais sorrisos ao público.
Em “I’ve Got The World On a String”, dança e obriga até alguns membros da sua orquestra a o acompanharem nos seus passos de dança. E, entre apresentações, chegamos a Marcelo Camargo um brasileiro que chama de “chato” ao cantor – por tê-lo obrigado a falar – e aconselha-nos a que nos divertamos noite fora.
«Hoje, antes do concerto, dei diversas entrevistas. Compararam-me a muitos dos meus ídolos e é, para mim, um prazer que me reconheçam como continuidade do seu legado. Mas é bom poder escrever as minhas próprias canções. Esta, é muito especial. Comecei a escrevê-la quando tinha 17 anos, vamos ver se conseguem adivinhar qual é.» Pegando no microfone e acompanhado do pianista e co-compositor, Alan Chang, canta-nos sobre como à noite se deita e pensa como pode ser a pessoa a quem demos uma hipótese. As luzes extinguem-se, a orquestra ergue-se e começa “Everything”. De novo, se instala um pandemónio e Michael ainda convida uma pequena rapariga ao palco para tentar uns passos de dança.
Para “Close Your Eyes”, o seu último single, aconselha quem está com o namorado ou marido a aninhar-se, lembrar-se dos bons momentos, do porquê de se ter apaixonado e espera que se apaixonem mais uma vez porque no mundo “não há romance suficiente”. Aos solteiros, avisa de que é a melhor altura para tentarem fazer parte de um “trio”. Os instrumentos de sopro são substituídos por oito instrumentos de corda, oito jovens que, mais tarde, ele declara serem portuguesas. Quando entrega o microfone a uma delas, pedindo que ela dissesse umas palavrinhas na língua de Camões, a jovem nortenha não perde tempo «Estás em Lisboa, Michael! Fala português. Ninguém percebe nada do que estás a dizer».
A “How Can You Mend a Broken Heart” seguiu-se a dedicatória ao público: «Quero dedicar-vos esta canção. Vocês nunca terão noção de como mudaram a minha vida. E eu nunca poderei dar-vos tanta alegria como a que vocês me têm dado.»
Após uma “Home” emocionada, Bublé afirma que lhe é impossível cantar mais músicas tristes correndo o risco de começar a cortar os pulsos. Num ataque de surpresa, pedindo por festa e loucura, Bublé sai do palco para outro ao fundo do pavilhão e atravessa o caminho pedindo para que todos se levantem, enquanto canta “Get Lucky”, dos Daft Punk. Com os Naturally 7, partilha algumas canções, incluindo “To Love Somebody” dos Bee Gees, e regressa ao palco a cantar “All You Need Is Love” dos Beatles, com um pavilhão rendido, em uníssono entoando o clássico da banda britânica. Chovem papelinhos vermelhos e brancos em forma de corações. Com “It’s a Beautiful Day”, o canadiano despede-se e agradece a todos.
Depois de sair do palco, o barulho na arena torna-se ensurdecedor e o cantor, rapidamente, regressa para cantar “Cry Me a River”. Ainda há tempo para “Save The Last Dance For Me”.
«Agora, quero cantar-vos uma música sobre aquilo que sinto por vocês.»
“A Song for You” fechou a chave de ouro o concerto sendo o ponto alto da noite. O cantor afastou-se do microfone e terminou a música a capella, sozinho, a chorar, fazendo-se ouvir por todo o pavilhão calado, focado e arrepiado pela magistralidade do artista. Abençoou-nos, beijou o chão e despediu-se. Houve lágrimas, sorrisos e alguns casos de histeria que tirarão a moral às mães presentes da próxima vez tentarem aconselhar as filhas a gritar menos por boybands - ou pelo Justin Bieber. A noite mágica de ontem, essa, hoje mais logo terá bis.
Texto: Raquel Cordeiro
Fotos: Ana Rita Santos
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