A pouco mais de um ano do fim oficial da II Guerra Mundial, em fevereiro de 1944, num cenário que encontrava a Alemanha já em grandes dificuldades, uma operação conjunta entre as Forças Aéreas dos Estados Unidos e de Inglaterra promoveu sobre a cidade de Dresden um dos maiores massacres de um conflito pródigo em atrocidades. A cidade foi praticamente dizimada e cerca de 25 mil pessoas, a maioria civis, foram mortas. Nos anos seguintes, a eventual gratuidade do bombardeamento foi amplamente debatida.

Por lá andava nestes tempos, ao serviço do seu país, Kurt Vonnegut - que teria a sorte de sobreviver e, depois de andar às voltas com a ideia por mais de duas décadas, finalmente lançar uma reflexão sobre o trauma e a violência do episódio. O primeiro capítulo do livro fala na primeira pessoa, justamente, de um escritor que procurava formas de abordar o ocorrido.

A partir daí, no entanto, é Billy Pilgrim quem assume o protagonismo e é ao redor dele que Vonnegut constrói as suas reflexões sobre a guerra - inicialmente partindo de um propósito explícito de ir radicalmente contra a imagem embelezada dos clássicos de guerra “hollywoodescos” para, ao invés, mostrar um conflito absurdo e uma máquina de destruir jovens adolescentes ainda mal chegados à vida adulta.

Neste sentido, ninguém parece mais inepto e desajeitado para a guerra do que Billy, que, ainda assim, logra sobreviver e construir uma vida razoável em termos burgueses - até que começa a ser mais duramente afetado pelo que seriam as consequências psicológicas graves da guerra.

Apesar do tema, Vonnegut evitou um relato linear de atrocidades, substituindo-o para um vai-e-vem no tempo da vida de Billy - incluindo uma crença deste, já mais para o fim da vida e demonstrando efeitos de transtorno mental, de que fora abduzido pelo povo do planeta Tralfamadore. Assim, o livro é composto de pequenos episódios, muitos dos quais dramas terríveis por vezes narrados com humor negro ou apresentando sinistras “casualidades” (o trecho onde os soldados americanos tomam banho com sabão feito da gordura de judeus mortos).

O escritor usa 106 vezes a expressão “é a vida” - uma espécie de ponto final sardónico a uma espécie de fatalismo. Este não escapou a alguns críticos da obra - que o consideraram demasiado atrelado à uma espécie de aceitação tácita do destino.

O “timing” de lançamento do livro, 1968, foi dos mais felizes e, em plena efusão dos protestos contra a Guerra do Vietnam, “Matadouro 5” logrou figurar durante várias semanas nas listas de “best sellers” nos Estados Unidos. Atualmente, com uma guerra às portas da Europa, nunca é demais relembrar um passado não assim tão longínquo.