Legiões mascaradas de negro juntaram os mais velhos e os muito novos para lotar o recinto certamente inspirador da LX Factory. O imaginário gótico sobrevive e passa de geração para geração.

Tudo começou há muito tempo, quando a celebração dos não-mortos e os versos sobre “translucent black capes” adentra pelos “charts” pelas mãos do icónico John Peel. Nestes tempos, nos primórdios do pós-punk, quando os punks tinham terminado de estilhaçar a noção de música herdada dos “dinossauros” do rock, bastam três acordes, um baixo saturado e efeitos de pedal para se produzir um clássico instantâneo.

Os trabalhos em Lisboa arranca, com a poderosa “Double Dare”, que também abria “In the Flat Field” (1980) – álbum de estreia da banda – que será executado em sequência a partir daí. Peter Murphy entra em cena de forma climática, circulando inquietamente no palco em sintonia com a batida nervosa e ensurdecedora da bateria de Slutsky.

Com um visual produzido, uma pêra grisalha e uma iluminação que disfarça bem (ou quase…) os seus 61 anos, Murphy lembra que tudo também começou com a sua figura performática – que lideravam os Bauhaus ao vivo com espetáculos de teatro – simultaneamente para deleite dos fãs e para o tornar alvo de “standards” da imprensa especializada, como o New Musical Express – que vociferava contra um “escândalo de pomposidade e pretensão”. Foi por estes anos que o filme “Fome de Viver” (“The Hunger”, de 1983), aliás, inscreveu o cantor na mitologia vampiresca com uma climática sequência de abertura.Este maltratado álbum desfila em sequência 38 anos depois: “In the Flat Field”, “God in Alcove” e “Dive” seguem de rajada, enquanto o seu séquito armado de telemóveis, casacos de couro e cara mascarada celebrava; “Spy in the Cab” é um grande momento, onde as referências ao “big brother” deslizam sobre os acordes suaves da guitarra de Thwaite.

Instantes gloriosos também com a sensacional “St. Vitus Dance”, onde fica o convite para uma dança desmazelada e herética – tal como “Stigmata Martyr”, uma preciosa incursão no sarcasmo anti-religioso que culmina com o recital berrado de “In nomine patri et filii et spiriti sanctum!”.

Já “Silent Hedges” surge acústica e intensa, servindo de preâmbulo para a mítica e citada “Bela Lugosi’s Dead”, que surge pesada, acelerada, e onde a multidão entoa “undead, undead, undead” e o imaginário gótico se cristaliza numa eterna imortalidade. Numa ilusão de ótica, a iluminação e os trejeitos de Murphy fazem lembrar o Nosferatu de Murnau…

Ainda serão entoados hinos como “Kick in the Eye”, a coisa mais próxima que o “gótico” de tonalidades funk/disco já produziu , “She’s in Parties”, transformada numa espécie de “batucada” em apoio a causa dos refugiados, com participação de um músico do Gana que eles conheceram no avião e, mais que tudo, “Passion of Lovers”, onde o refrão “passion of lovers is for death” simboliza a representação definitiva do negro romance entre as raparigas mortas na flor da idade saídas de algum doloroso conto de Edgar Allan Poe.

“Dark Entries” encerra o espetáculo; nos dois encores seguintes celebram-se versões, como a cadenciada e atmosférica para a belíssima “Severance”, dos Dead Can Dance, e os pagamentos às origens “glitter” de Peter Murphy com “Telegram Sam” (T-Rex) e, claro, o clássico “Ziggy Stardust”. Dizer que a versão do Bauhaus é superior ao original do enorme David Bowie seria uma suprema heresia. O que, pensando bem, até não fica mal dizer por aqui.

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