O cantor R. Kelly foi considerado culpado esta segunda-feira de chefiar durante décadas uma organização criminosa para atacar sexualmente mulheres e menores de idade, segundo um júri de Nova Iorque, depois de um julgamento de cinco semanas.
O veredito surge após o artista ter enfrentado acusações de má conduta sexual durante muitos anos, tendo sido julgado apenas uma vez por pornografia infantil, processo do qual fora absolvido há 13 anos.
Na sequência de depoimentos assustadores durante o processo, o júri, que deliberou durante nove horas, ratificou todas as acusações exceto duas, incluindo as de abuso e tráfico sexual, contra o célebre cantor de 54 anos popularizado pelo hino "I Believe I Can Fly".
Kelly permaneceu sentado impassível, baixando a cabeça de vez em quando e fechando os olhos atrás dos óculos. Pode ser condenado a prisão perpétua e a sentença será proferida a 4 de maio do ano que vem.
Para poder condenar Robert Sylvester Kelly, o seu nome verdadeiro, por extorsão, os membros do júri tinham de declará-lo culpado de, pelo menos, duas das 14 acusações conhecidas como "predicate acts" [atos premeditados], que juntas constituem os crimes mais graves.
Mas R. Kelly foi condenado por uma acusação de extorsão, com 14 subjacentes que incluíam exploração sexual de uma menor, sequestro, suborno e tráfico sexual; e outras oito violações do Mann Act, uma lei anti-tráfico sexual que proíbe o transporte de pessoas através das fronteiras do estado para fins sexuais.
"Estamos decepcionados com o veredito", disse o advogado de Kelly, Deveraux Cannick, à imprensa fora do tribunal, antes de acrescentar que vão avaliar um recurso.
A advogada Gloria Allred, que representou três das seis mulheres que apresentaram acusações, assegurou que a condenação é um alerta para outros que usam a sua fama para agirem como predadores sobre os seus fãs.
"A questão não é se a lei os vai apanhar. A questão é quando", disse.
O caso de R. Kelly, atrasado durante mais de um ano por causa da pandemia, é considerado um marco para o movimento #MeToo por ser o primeiro julgamento importante por abuso sexual no qual a maioria dos acusadores - nove mulheres e dois homens - é de mulheres negras.
Os procuradores apresentaram minuciosamente o intrincado padrão de crimes que o cantor cometeu impunemente, amparando-se na sua fama, para se aproveitar de mulheres jovens e adolescentes para a sua própria satisfação sexual.
O júri de sete homens e cinco mulheres em Nova Iorque concluiu as suas deliberações ao segundo dia, após um julgamento que começou a 18 de agosto e durou 23 dias.
No tribunal de Brooklyn, em Nova Iorque, promotores federais chamaram 45 testemunhas, incluindo 11 acusadores, nove mulheres e dois homens, na sua tentativa de retratar Kelly como o chefe de uma organização criminosa que lhe permitiu atacar mulheres e menores durante quase 30 anos.
Seis das pessoas convocadas para testemunhar disseram que eram menores quando Kelly começou os encontros sexuais com elas.
As acusações eram centradas em seis mulheres: Jerhonda, Stephanie, Faith, Sonja e uma mulher que testemunhou sob um pseudónimo, além de Aaliyah, cantora de R&B que morreu num acidente de avião em 2001, com quem Kelly se casou ilegalmente quando tinha 15 anos.
Mais de um mês de testemunhos incluíram descrições comoventes de mulheres que disseram ter sido violadas, espancadas, drogadas, presas e, às vezes, impedidas de comer ou de usar a casa de banho.
Uma mulher disse que R.Kelly a forçou a fazer um aborto quando era adolescente. Várias disseram que o artista lhes transmitiu herpes durante o sexo.
Além do seu julgamento em Brooklyn, R.Kelly foi indiciado em três outras jurisdições, incluindo o tribunal federal de Illinois, por pornografia infantil e acusações de obstrução da justiça.
No interrogatório, os advogados de defesa tentaram questionar a credibilidade das testemunhas argumentando que os relacionamentos eram consensuais, às vezes até românticos, e tentaram retratar as mulheres como amantes rejeitadas ou fanáticas que ficaram com ciúmes ou zangadas quando o seu relacionamento com Kelly terminou.
Na segunda-feira, os advogados de Kelly iniciaram a defesa, convocando as duas primeiras das seis testemunhas esperadas. O músico não deve testemunhar.
O primeiro homem a depor, Dhanai Ramanan, disse que conhecia Kelly há cerca de 15 anos e rejeitou as acusações de que abusou de mulheres apelando ao seu "cavalheirismo".
Aspirante a músico que nunca trabalhou diretamente com Kelly, Ramanan disse que ficava perto dele para "ver" e "aprender".
A segunda testemunha de defesa foi Larry Hood, um ex-polícia de Chicago e amigo de infância de R.Kelly.
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