A peça passa-se em dois planos: ao fundo, os atores Cláudia Jardim, Diogo Bento, Patrícia da Silva e Pedro Penim interpretam, de forma exagerada e até hilariante, excertos de peças do teatro clássico português; mais perto do público, os atores Rogério Samora, São José Correia, Vítor Silva Costa e Márcia Breia assistem àqueles espetáculos, rindo, gozando e criticando.
“É uma celebração, só que ao contrário das celebrações mais expectáveis, que é a de celebrar o que é bom. Aqui é uma espécie de ficção, que pode não ser bem uma ficção, porque se alimenta de vários autores que, ao longo do tempo, foram dizendo que há uma espécie de mal crónico no teatro português - não só a academia, mas o próprio público de alguma fora reconhece isso. Então toma essa ideia e transforma numa celebração do mau, uma celebração daquilo que supostamente é mau”, disse Pedro Penim.
O encenador aponta Eça de Queiroz como uma dessas vozes críticas do teatro, assim como outros autores contemporâneos, que falam de atraso ou falta de qualidade crónica, de uma tendência para repetir ou copiar modelos estrangeiros, e de o teatro, desde sempre, desde Gil Vicente, se confrontar com essa ideia de não ser tão relevante como a poesia ou a literatura portuguesa.
A ideia que subjaz a esta peça é a de “querer abraçar um legado que, se calhar, não é o melhor legado do mundo, porque, ao contrário da dramaturgia inglesa, que tem Shakespeare, ou de francesa, que tem Molière, ou da espanhola, que tem os autores do século de ouro”, sempre foi dito que a portuguesa – mesmo com Gil Vicente e Almeida Garrett, que sempre foram os autores mais significativos – “não tem nem dimensão, nem o peso que esses outros autores têm”.
Para os Praga, isso permite-lhes “uma liberdade muito maior”, porque não criam com essa ideia de herança pesada, e este espetáculo celebra isso, “essa 'não herança', [que] é uma espécie de lamento celebratório”.
Os textos escolhidos são de Gil Vicente, Correia Garção, Almeida Garrett, Francisco Gomes de Amorim, Júlio Dantas, Alfredo Cortês, André Brun, Luís de Sttau Monteiro, Bernardo Santareno e J.M. Vieira Mendes, uma seleção feita a pensar numa “espécie de top 10”.
“Neste caso é um ‘bottom’ 10, porque são, supostamente, as dez piores peças. Então tentámos escolher peças que achávamos que eram relevantes e que são normalmente salvas dessa ideia do mau, que é o ‘Frei Luís de Sousa’ e o ‘Monólogo do Vaqueiro’, do Gil Vicente, e entrar logo a matar”.
De facto, a peça começa com um excerto de Almeida Garrett, que termina com as personagens Manuel, Madalena Maria e o romeiro a fugir do incêndio ateado pelo próprio Manuel de Sousa.
Rogério Samora, que assistia sentado num baú, levanta-se e lamenta: “Só de pensar nas coisas que poderíamos queimar, a memória, a nostalgia, o sentimento de amor, a paternidade, a descendência, a linhagem”.
Mas no final, tudo fica, é “tudo fogo de vista”, afirma.
A partir daí, os outros atores vão-se juntando às críticas e à bazófia lançada sobre as diversas peças a que vão assistindo, com um ar algo entediado, como “Felizmente há luar”, de Sttau Monteiro, “O lobo”, de Alfredo Cortês, ou “Português, escritor, 45 anos de idade”, de Bernardo Santareno.
Mas os elementos do Teatro Praga dão 'a volta ao texto' e acabam a criticar a sua própria peça, que integram na lista das dez piores.
“É uma espécie de pescada de rabo na boca, que acaba com o próprio ‘Worst of’, fazendo-se incluir nessa lista dos dez piores”, explica Pedro Penim.
A peça tenta também ser “exemplar em relação a uma ideia cronológica”, no sentido de ser suficientemente claro que há uma sequência, de várias estéticas e épocas, indo buscar uma peça a cada tempo ou a cada estética.
“Se são de facto as piores ou não, não é sequer questão, é um momento exemplar daquilo que poderiam ser as dez piores peças”, acrescentou sublinhando a ideia subjacente: “Se é teatro e se é português está aqui e é mau”.
O ator Rogério Samora, que mostrou satisfação por estar a trabalhar com o Teatro Praga, com o qual, confessa, “queria muito trabalhar”, justifica a escolha pela “inteligência” do grupo e pela sua capacidade de “agitar as águas”.
“Têm o seu lugar, fazem falta, devem existir e continuar a existir, não se pode ficar indiferente a um espetáculo dos Praga e eu gosto desse risco”, disse.
E é um risco, porque brinca com os cânones do teatro português, sendo que a ideia é antiga, tem mais de dez anos, esteve programada e foi desprogramada.
A proposta foi feita em 2006 a António Lagarto, quando este era diretor do Teatro Nacional D. Maria II, e, na altura, foi programada por ele, mas o diretor que lhe sucedeu “decidiu desprogramar e o espetáculo foi cancelado”.
Agora, “muito recentemente”, o atual diretor, Tiago Rodrigues, fez um convite aos Praga para se apresentarem na Sala Garrett e o grupo lembrou-se “imediatamente da ideia do ‘Worst of’”, contou Pedro Penim.
“Mas principalmente parte dessa necessidade de refletirmos sobre a nossa herança e o nosso passado, porque muitas vezes somos confrontados com isso”, sublinha, explicando que, desde que surgiram como grupo, são confrontados com dúvidas em relação ao que fazem e em relação à sua herança teatral.
“E esta é uma resposta”, afirma Pedro Penim.
"Worst of" vai estar em cena de 01 a 18 de novembro, no Teatro Nacional D. Maria II.
Comentários