Com uma versão em DVD à vista (“está a ser pensado”, diz-nos Tiago Pereira), “O Povo Que Ainda Canta” continua a fazer o seu caminho na RTP2 às quintas à noite. O realizador que ainda tem “muitos episódios da série para terminar” falou com o SAPO On The Hop sobre como foi a viagem que resultou nesta série documental que nos traz a “outra música”. No fim, fica uma certeza: “há muitos episódios que mereciam mesmo um trabalho de fundo (…) davam longas-metragens sem dúvida nenhuma”.
SAPO On The Hop: Como é que foi adaptar as várias horas de filmagem para um produto televisivo?
Tiago Pereira (TP): Basicamente são filmes de montagem porque cada caso é um caso diferente. Cada episódio é completamente diferente do outro. Tem muito a ver com as pessoas que entram no episódio e com a música que cada local tem. Obviamente que havia coisas que eu já tinha gravado para a Música Portuguesa [associação Música Portuguesa A Gostar Dela Própria] e que voltei para fazer entrevistas um pouco para dirigir os episódios. Cada episódio teve uma espécie de linha condutora, fui percebendo que era necessário fazer uma linha condutora em cada um. E depois resolver na montagem.
Quais são as diferenças entre aquilo que fez para a associação e agora para a série?
TP: Há uma diferença essencial: para a série o repertório é muito mais escolhido. Eu vou à procura de mais coisas escolhidas que tenham a ver com a música que se canta só nos sítios onde estou a gravar, muitas vezes a gravando com duas câmaras ou a gravar com duas câmara a mesma música para ter vários planos diferentes para montar, a pensar na montagem… mas a diferença principal é que enquanto gravava para a Música Portuguesa eu nunca fazia entrevistas e para a série fazia entrevistas. Portanto, a grande questão era colocar as pessoas a falar: o porquê de fazerem música, quando é que a música nasceu, porque é que construíram os instrumentos, quem é que os tinha ensinado, onde é que aprenderam, …
A iniciativa partiu de si?
TP: Não, eu com a associação da Música Portuguesa fiz um piloto e apresentei esse piloto à RTP2. Esse piloto era de 52 minutos e decidimos que em vez de ser 52 minutos, íamos fazer antes 26 minutos e a partir daí, mal ficou decidido que isso ia acontecer, comecei a trabalhar.
Qual foi a reação do público aos primeiros episódios?
TP: Tenho tido boas reações. As pessoas têm gostado! Tem acontecido aquilo que de certa forma eu já tinha previsto: as pessoas revêm-se naquilo e há muita gente que revê as pessoas no campo… é normal que a maior parte das pessoas nas cidades tenha sempre uma avó que veio de não sei de onde, e que por isso vai passar férias ou fins de semana a esse sítio. Portanto, as pessoas revêem esses momentos, a infância, dizem que é um regresso ao passado. Depois há um feedback muito mais interessante do que isso que é quando as pessoas me dizem que isto é mostrarmos a outra música. Que não é mostrarmos a música séria que nos habituamos a ouvir. Estamos a mostrar a outra música que está lá, está presente noutros sítios e que normalmente nunca se mostra.
Também foi à descoberta para o terreno? Foi surpreendido?
TP: Há sempre um lado de surpreendimento nisto. Nunca estamos exatamente à espera do que vamos encontrar, do que vamos descobrir. Mas claro que há uma parte que está planeada caso contrário não é possível fazer. Há muita gente neste países todo que gosta destas músicas e, portanto, vai dizendo: “vem aqui a Coimbra que temos este gaiteiro, este gaiteiro e este gaiteiro…” Quando eu vou, já vou com pessoas que conhecem as pessoas [que vão ser filmadas] e, de certa forma, já sabemos aquilo que vamos encontrar. Mesmo assim, também nos surpreendemos. Às vezes os próprios que me levam ao sítio também se surpreendem. É o que tem mais piada neste assunto: quando tu conheces muito bem uma pessoa, mas mesmo assim continuas a surpreender-te com ela.
Houve preocupação com as audiências? Como é que avalia?
TP: Avalio que é bom! Quer dizer, no primeiro episódio tivemos 45/46 mil televisões a ver às 11 da noite, tendo em conta que estamos a competir com as novelas dos outros canais mais com o cabo, portanto é super positivo. Agora vamos ver é se cresce. A tendência é para que cresça, é para que as pessoas percebam que é importante verem. O objetivo é que as pessoas vejam. Não no sentido de ter audiência, mas de chegar às pessoas. Eu quero é que as pessoas vejam a série, que se identifiquem, que reconheçam, que pensem. A quantas mais pessoas a série chegar mais cumprimos o objetivo. Isso é que é o importante.
Ainda não terminou a série toda, mas até agora está satisfeito com a amostra que dá em “O Povo Que Ainda Canta”?
TP: Sim, às vezes até eu me surpreendo com alguns episódios que não estava à espera que ficassem como iam ficar, e depois ficam de uma forma que me surpreendem. Acho que são muito bonitos e que estão super fortes. Por exemplo, o do Alto Alentejo é o último que nós terminámos e ficámos completamente surpreendidos porque não sabíamos que ia ser assim: foi um episódio difícil de gravar, demorou muito tempo, tivemos de ir lá muitas vezes, mas mesmo assim ficamos super surpreendidos. Todo o episódio tem as suas próprias idiossincrassias: não depende só da música, depende também das pessoas que utilizámos. Depende muitas condicionantes, e depois só se percebe mesmo como é que vai ficar na montagem. Acho que os episódios acabam por mostrar mesmo o quanto há para conhecer. O que eu acho importante é dizer é que isto é só o início: os episódios são o início para o que ainda há muito mais para ver e para o que há ainda muito mais para explorar de forma profunda. Há muitos episódios que mereciam mesmo um trabalho de fundo (…) davam longas-metragens sem dúvida nenhuma.
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