“Este tipo de apoio mostra-me que vale a pena continuar”, diz à Lusa Zlatan Čordić, rapper esloveno conhecido por Zlatko.
Posando diante dos vestígios das letras que formam o seu nome artístico, entretanto apagadas, Zlatko alega ter-se tornado num alvo do Governo de Janez Janša: de campanhas de difamação pública a contratos publicitários cancelados, passando por infiltrações nas suas redes sociais, o ‘rapper’ diz à Lusa que “está sozinho contra todo o aparelho estatal”.
“As pessoas não percebem o tipo de pressão a que estou sujeito. Tenho o Governo inteiro, com todo o seu aparelho, contra mim. E eu estou sozinho”, afirma.
Interrompido para tirar ‘selfies’, conversar com desconhecidos ou explicar como a sua música se relaciona com as figuras das estátuas que estão no centro da capital eslovena, Zlatko recusa o epíteto de “estrela” e diz que a sua música “sempre foi política”.
“Não quero saber se são de esquerda ou de direita, o que me interessa é se [os políticos] fazem coisas boas ou más. Mas, hoje em dia, por causa do Governo que temos, parece que a minha música é mais política, mas não. O que acontece é que há mais pessoas contra este Governo, o que faz com que as minhas músicas tenham mais destaque”, diz o rapper.
A Eslovénia, que assume a presidência do Conselho da União Europeia (UE) na próxima semana, vive um clima de contestação ao governo liderado por Janez Janša, com protestos semanais, nos quais Zlatko participa com frequência, que há cerca de um ano reúnem milhares de pessoas na capital contra o que consideram medidas que atentam contra as liberdades fundamentais do país.
Afirmando ter sempre “dito as verdades” e “feito as perguntas certas”, Zlatko refere nunca ter sentido com outro Governo o tipo de pressões que sente agora, alegando que, desde a tomada de posse de Janez Janša tem sido alvo de campanhas de difamação pública, feitas nas redes sociais e no que apelida de órgãos de comunicação “próximos de Janša”, que o acusam de “tirar dinheiro ao país” e de ser um “ingrato intrometido”.
Das campanhas de difamação paralelas, Zlatko foi catapultado para o perfil oficial de Janez Janša no Twitter em outubro de 2020, quando deu uma entrevista à agência de notícias eslovena, STA, a propósito do seu 11.º álbum, acabado de lançar, intitulado “Julijan Mak”.
Publicada a 14 de outubro, a entrevista com Zlatko levou Janša a classificar a STA de “desgraça nacional”, por ter dado maior destaque ao álbum do que a um encontro que teve com o seu homólogo húngaro, Viktor Orbán, por volta da mesma altura.
Desde então, Zlatko tem estado na mira do Governo: além de ser sido caracterizado de “bully primitivo” pelo ministro da Administração Interna, Aleš Hojs, o rapper recebeu, em novembro, uma notificação do Ministério da Cultura a informar que o seu estatuto de artista independente – que lhe dava benefícios sociais relativos ao seguro de saúde e reforma – lhe tinha sido retirado.
À Lusa, o Ministério da Cultura diz que a revogação do estatuto de artista independente acontece de maneira “recorrente”, que, no último ano, “10 pessoas perderam o estatuto”, o que mostra que a decisão “não tem absolutamente ligação nenhuma com a política”.
Entre as razões que podem levar à revogação do estatuto, afirma, figura a “realização de atividades que não são conduzidas enquanto atividades culturais”: “As atividades de uma pessoa que não se enquadrem no âmbito de atividades culturais e que, ao mesmo tempo, possam constituir comportamentos ilícitos passíveis de ser processados ao abrigo do direito penal”.
“No caso deste artista, provocou muita controvérsia pública ao atacar verbalmente e seguir um epidemiologista que trabalha no Instituto Nacional de Saúde, tentou tirar a câmara a um repórter de imagem e também gritou e ameaçou empregados do Ministério da Cultura (um empregado em concreto denunciou-o à polícia várias vezes e teme pela vida)”, aponta o Ministério da Cultura.
Zlatko rejeita todas as acusações, e salienta que, à exceção do alegado ataque a um repórter de imagem – pelo qual pagou uma indemnização, que agora lamenta, por considerar que o seu direito à imagem não foi respeitado –, os outros dois casos estão a ser julgados.
No que se refere à alegação da “realização de atividades que não são conduzidas enquanto atividades culturais”, o rapper sublinha que “o que faz no seu tempo livre não deveria influenciar a decisão do Ministério” e frisa que o seu estatuto diz respeito ao seu “trabalho artístico, não ao tempo livre”.
“Este Governo não percebe a democracia: tenho direito de dizer o que quero dizer, tenho direito de ir à rua e sentir-me como que me quero sentir, desde que não ofenda ninguém”, diz.
Tendo levado o caso a tribunal, Zlatko recuperou o estatuto de artista independente em dezembro, mas diz estar à espera de “novas movimentações” da parte do Ministério da Cultura e considera suspeitos os incidentes em catadupa que lhe têm acontecido desde outubro.
Para ilustrá-lo, Zlatko refere que, um dia antes de receber a notificação do Ministério da Cultura, as suas redes sociais foram infiltradas, tendo a sua antiga conta do Instagram – que alega ter tido cerca de 60 mil seguidores – sido apagada.
“Agora tenho muito menos seguidores no Instagram, mas criei uma conta nova e, pouco a pouco, estou a ter mais outra vez”, diz o rapper, cuja conta atual, criada um dia depois da infiltração, tem quatro mil seguidores.
A perda brusca de seguidores nas redes sociais parece ter tido um impacto nos contratos publicitários de Zlatko que, tendo sido um dos “mais antigos colaboradores locais” da Adidas Eslovénia, como diz fonte da empresa à Lusa, está agora incluído num pacote de colaboradores que “não têm uma base forte” de seguidores entre os jovens e que, como tal, está a ser “gradualmente reduzido”.
“A Adidas está a dirigir-se para um público-alvo mais jovem. Por isso, as nossas atividades de ‘marketing’ começaram a focar-se intensamente em ‘influencers’ que são fortes e ativos nas redes sociais, especialmente no Instagram e TikTok”, aponta a Adidas Eslovénia.
Zlatko diz que a mensagem da empresa não corresponde “à verdade total” e vê na perda de contratos um propósito político, dando também o exemplo de uma concessionária de automóveis, Avtotehna Vis, que, “quando as manifestações chegaram”, lhe cancelou o contrato.
À Lusa, a Avtotehna Vis reconhece que trabalhou com Zlatko durante cinco anos, uma parceria que considera ter tido muito êxito, mas que teve de ser interrompida em outubro devido ao encerramento temporário da empresa durante a pandemia.
Reconhecendo que toda a situação o “está a afetar” e que o seu rendimento financeiro se tornou “definitivamente mais baixo”, Zlatko diz que vai “continuar a lutar”, porque sente que “é a coisa certa a fazer”, e a mostrar-se “feliz com as pequenas coisas da vida”.
“Sou o tipo de pessoa que, se não pode ir de férias, paciência. Mas não quero ficar calado quando vejo que algo de errado está a acontecer na sociedade”, assevera Zlatko.
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