Primeira adaptação televisiva em imagem real do universo dos X-Men, "Legion" dá protagonismo a uma figura secundária dos mutantes da Marvel, David Haller, que na banda desenhada é filho de Charles Xavier.
Com sintomas de perturbações mentais, a personagem interpretada por Dan Stevens descobriu, ao longo dos primeiros episódios, que tinha capacidades telepáticas e telecinéticas. Este processo deu o mote ao drama ambientado nos anos 1960, estreado em 2017 e a terminar na terceira temporada, que chega a Portugal a 15 de setembro através do serviço FOX+.
O tom pouco formatado de "Legion", que opta por explorar o universo interior do protagonista em vez de combates megalómanos, estará mais próximo do labirinto onírico de uma série como "Mr. Robot" e da sensibilidade visual de Stanley Kubrick ou Wes Anderson, referências assumidas do showrunner e comparações habituais nas (muito entusiastas) críticas à produção.
Em "Legion", David não foi apresentado como o único sobrevivente de um ataque terrorista em Israel, ocasião que despertou os seus poderes latentes na revista New Mutants, mas como prisioneiro de uma instituição psiquiátrica nos EUA da década de 1960. Esta não é a única diferença face ao material de origem de uma adaptação muito livre, que não convoca muitas personagens conhecidas do universo mutante nem força ligações aos filmes dos X-Men.
A própria fisionomia de Legião é bastante diferente, aqui encarnada por Dan Stevens, conhecido por séries como "Downton Abbey", "A Linha da Beleza" ou o filme de culto "The Guest". A figura do ator britânico é bem menos radical do que a da personagem esguia e de cabelos eriçados e volumosos da BD. Mas embora não tão visceral como a origem de David Haller nos comics, "Legion" não deixa de ser uma experiência alucinante, tendo em conta o cuidado perfecionista na realização, produção e direção artística.
Na terceira temporada, o criador, argumentista e showrunner Noah Hawley ("Fargo", "Ossos") diz não se desviar da atmosfera desenvolvida nas anteriores, segundo avançou numa entrevista telefónica ao SAPO Mag:
SAPO Mag - Que diferenças aponta entre esta temporada e as anteriores?
Noah Hawley - A ideia era que o ciclo da história acompanhasse o ciclo da doença mental. O David está na sua fase mais conturbada, internado numa instituição para doentes mentais e encharcado de medicação. Até que conhece uma rapariga, apaixona-se, consegue sair... Tentei comparar o amor a uma forma de medicação, até ao ponto em que ele acha que já não precisa de comprimidos quando tem uma relação. E a questão desta temporada é se ele vai ser capaz de se salvar nesse processo.
A Marvel tem tido várias adaptações cinematográficas e televisivas. Que ângulo tentou explorar em "Legion"?
A Marvel já tem as aventuras dos heróis, os filmes de ação, várias séries da Netflix... A minha ideia foi ver que mais é que se poderia fazer neste género: experimentar com o surrealismo, com narrativas não lineares, estudos de personagens existenciais. E acho que precisamos disso, de reinventar o formato, desconstruir as regras. Da mesma forma que a comédia romântica precisou de um filme como "(500) Dias com Summer" para ser reinventada. Esse foi sempre o meu objetivo, experimentar, e tive a sorte de eles estarem dispostos a pagar-me por isso.
O que é o que interessou na personagem de David Haller?
Achei-o interessante pela perceção que ele tem do mundo, pelo facto de ver e ouvir coisas sem saber se são ou não reais. E isso deu-me a oportunidade, enquanto criador, de apostar numa história com um ponto de vista subjetivo e um narrador no qual o espectador não pode confiar por completo - mas pode acompanhar a sua visão do mundo. Depois de uma série como "Fargo", onde tudo era contado de forma tão objetiva, interessou-me fazer o oposto, com uma abordagem muito mais imersiva, cinematográfica e experimental.
Não receou alienar alguns espectadores com essa abordagem mais subjetiva?
O principal compromisso com o espectador sempre foi a história de amor. Enquanto tivesse isso, todas as manipulações da realidade seriam aceitáveis. Só que agora chegámos ao fim dessa fase, com a relação destruída, embora David ache que tenha feito o mais correto. Só que a questão é que ele ultrapassou fronteiras de confiança e respeito, como a Sid apontou, mas não consegue conciliar a perceção que ela tem dele com a sua ideia romantizada. E esse contraste levou a uma fratura mental onde ele se vê rodeado de devotos que o amam incondicionalmente, porque não consegue aceitar a ideia de estar só. Por isso ele está num ponto em que tanto se pode tornar num vilão como encontrar alguma lucidez que lhe permita perceber quem é realmente e as coisas que fez. Esse é, para mim, o conflito mais estimulante, já que a série nunca foi sobre grandes batalhas entre o Bem e o Mal mas sobre as pequenas coisas más que fazemos uns aos outros no dia a dia. Ele agrediu-a enquanto indivíduo e para mim essa escala chega muito mais diretamente ao espectador do que a história de alguém que destruiu milhares de pessoas.
Houve alguma personagens do universo dos X-Men que quisesse trazer para a série ou que queira explorar noutro projeto?
Tivemos uma longa negociação com os estúdios da FOX, que tem os direitos dos filmes dos X-Men, para trazer o Professor Xavier para a série. Mas ele é uma figura central desta história e diretamente responsável por parte do estado do David. Por isso ao início só mostrávamos um homem careca numa cadeira de rodas, mas não podíamos mostrar um 'X'. Mas aos poucos pudemos ser mais específicos, tendo em conta que esta personagem é uma figura-chave no percurso de um rapaz adotado que quer encontrar o seu pai biológico. Em relação a outras personagens noutros projetos, vamos ver o que vai acontecer agora que os direitos de todas as personagens do universo dos X-Men estão com a Marvel/Disney...
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