"Sou do Kansas e quisemos regressar ao local onde nasci", explica Bridget Everett ao SAPO Mag numa mesa redonda virtual com a imprensa internacional. A comediante e cantora norte-americana de 49 anos, a viver em Nova Iorque há décadas, voltou a casa para protagonizar uma série que, não se assumindo como autobiográfica, parte muito das suas experiências e sobretudo dos locais e das pessoas que a marcaram na infância e juventude.
"Fugimos de um sítio, mas depois redescobrimo-lo enquanto adultos", conta ao assinalar o mote de "Somebody Somewhere", comédia afetuosa (que não fecha a porta ao drama intimista) criada por Hannah Bos e Paul Thureen, dupla cujo percurso relativamente curto mas curioso tem passado pela dramedy norte-americana na escrita de episódios de "High Maintenance" e "Mozart in the Jungle" ou do filme "Driveways".
A aposta da HBO Max produzida pelos Irmãos Duplass ("Togetherness", "Room 104") que se estreou esta segunda-feira na HBO Portugal também é curta: a primeira temporada tem apenas sete episódios de meia-hora de duração cada. Mas o arranque mostra logo uma amplitude temática e emocional assinalável, indo de silêncios familiares ao luto, da frustração ao vislumbre de um recomeço, a partir do quotidiano da protagonista, Sam, numa pequena comunidade do Kansas.
"O principal tema é encontrar a nossa voz, aquilo que nos faz felizes. E eu e a Sam temos uma jornada de vida parecida. E também é sobre como nos sentimos vazios quando não temos o que nos faz felizes", avança Everett. "É sobre encontrar uma forma de voltar a casa, abrir os olhos e descobrir as pessoas que estão à nossa volta. E não deixar fugir aquilo que nos torna especiais, quer seja porque nos sentimos demasiado velhos, por acharmos que é demasiado tarde... mas nunca é demasiado tarde para perseguir os nossos sonhos [risos]".
Trailer de "Somebody Somewhere":
Everett sabe do que fala, porque teve de esperar até que alguns sonhos se pudessem concretizar. A atriz, que também se tem destacado como vocalista da banda indie Tender Moments (cujo baixista é Adam 'Ad-Rock' Horovitz, dos Beastie Boys), trabalhou mais de 25 anos como empregada de mesa em Nova Iorque até começar a ter mais oportunidades no cinema e sobretudo na televisão no início da década passada - depois de Amy Schumer a ter convidado para as primeiras partes dos seus espetáculos de comédia stand-up. "É bom sentir que encontrei um sítio onde pertenço", assume.
"Somos todos iguais, estamos apenas em sítios diferentes"
Entre o estado depressivo após a morte de uma irmã e o entusiasmo nascido da hipótese de voltar a dedicar-se à música, Sam conduz o espectador numa comédia de câmara que tenta evitar gags óbvios e caricaturas muitas vezes vistas em histórias sobre a América Profunda. "Quisemos fazer com que o espectador se sentisse parte da vida destas pessoas. Não é sobre política nem olharmos uns para os outros com juízos de valor, é sobre família, pessoas e como somos todos iguais, estamos apenas em sítios diferentes. E sou de lá, por isso saberia que se fizéssemos alguma coisa que julgasse as personagens, viriam atrás de mim, e não queria isso. [risos] Além disso, tenho lá amigos e queria que se sentissem orgulhosos. Espero ter conseguido", confessa.
"Quis ser o mais honesta possível com a minha vida a nível emocional, mas sem deixar que isso magoasse a minha família. Isso estava fora de questão", vinca. "Se fosse sobre mim, não me importava. Sobre eu ser gorda ou grosseira", conta, assumindo que nunca se sentiu "a típica boa rapariga". Everett descreve-se antes como "uma mulher de meia-idade, em palco, com partes do corpo a saltar e a falar como um marinheiro".
Embora Sam não seja uma transposição direta da sua vida para o ecrã, a atriz identifica-se com a sua personagem a vários níveis. Até porque ambas estão longe dos projetos de vida de amigos "que têm família, filhos, carro ou que vão à igreja". "Adoro-os, mas sinto-me fora da caixa", sublinha, acrescentando que ao longo das décadas que passou em Nova Iorque foi encontrando pessoas "que também estão à margem". "Fazemos sentido em conjunto", diz.
Algumas dessas pessoas favoritas fazem parte do elenco de "Somebody Somewhere" e da comunidade LGBTQIA+, cuja dinâmica a nível local é retratada na série. "Não queríamos fazer uma cruz em todas as caixinhas, mas representar pessoas que são parte da minha vida e que me fazem feliz", esclarece. "Queríamos contar uma história e calhou ser com pessoas LGBTQ".
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