Segundo a sentença, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o tribunal julgou procedente a ação intentada pela TVI e anulou a deliberação tomada pelo Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em julho de 2019, considerando existir “erro nos pressupostos de facto e de Direito e no que demais consta da fundamentação”.

Em causa está uma reportagem emitida em 17 de janeiro desse ano na rubrica “Jornalismo de Investigação por Ana Leal” do “Jornal das 8”, com o título “Contratação de prestação de serviços pela Câmara Municipal de Loures ao genro de Jerónimo de Sousa [secretário-geral do PCP]".

A peça sugeria que o genro do líder comunista teria sido beneficiado pelo município de Loures, um executivo da CDU, liderado pelo comunista Bernardino Soares, através de contratos de ajuste direto para a manutenção de paragens de autocarro e outro mobiliário urbano, supostamente por quantias avultadas.

Quatro dias depois, a ERC abriu um procedimento oficioso na sequência de uma participação apresentada por Tiago Martins. Em 24 de janeiro, o PCP apresentou no mesmo organismo uma denúncia, que foi integrada no procedimento.

Em julho último, a ERC considerou que a TVI “não cumpriu cabalmente com os deveres de precisão, clareza, completude, neutralidade e distanciamento” no tratamento do caso, optando por “uma reportagem marcadamente sensacionalista” que contribuiu para “uma apreensão desajustada dos acontecimentos por parte dos telespetadores”.

A ERC deu por “verificado o incumprimento” pela TVI “das obrigações que lhe incumbem em matéria de rigor informativo” e deliberou também sensibilizar a estação “para a necessidade de cumprimento escrupuloso dos deveres impostos em matéria de rigor informativo, rejeitando todas as formas de sensacionalismo”, e “dar conhecimento dos factos à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista”.

Na ação intentada pela TVI no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, esta aponta à deliberação da ERC vários vícios de forma e de violação da lei, incluindo a alegada violação do dever de fundamentação.

Para o tribunal, “a convicção da ‘construção sensacionalista’, a ‘irrelevância dos factos aduzidos como atestando algum comportamento ilícito dos envolvidos’ e o desrespeito pela presunção de inocência a que se refere a deliberação” foi “construída por uma valoração parcial e unilateral” da ERC.

Segundo o tribunal, “postergou-se o contraditório” e, “mesmo que a ERC entenda ser alheia à descoberta da verdade, pelo menos competia-lhe sopesar os direitos em colisão: o bom nome e reputação de um dirigente partidário e do seu próprio partido em confronto com o direito à informação de interesse público (por se tratar de figuras públicas)”.

“Ao não observá-lo [princípio do contraditório], sem se perceber por que razão a convicção se efetivou naquele sentido e não noutro, quais os factos, que expressões ou conteúdos da reportagem consubstanciaram o sensacionalismo e a falta de rigor informativo, a deliberação da ERC carece de fundamentação e deve ser anulada”, lê-se na sentença.

Sobre a alegada falta de rigor informativo, como sustenta a deliberação da ERC, o tribunal remete para um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul segundo o qual “o ónus de prova dos factos que justificam um juízo de censura do Conselho Regulador da ERC por violação do princípio do rigor informativo recai sobre este”, o que não aconteceu no caso concreto.

Para a 1.ª instância, a “falta de rigor informativo pressupõe a não correspondência com a realidade dos factos”, mas neste caso “não foi demonstrada” pela ERC, que se limitou a “invocar conceitos vagos, sem qualquer suporte factual”, sendo certo que “detinha poderes investigatórios para tal”.

“O mesmo se diga do sensacionalismo - que factos suportam o sensacionalismo? É do interesse público a boa gestão dos dinheiros públicos, tratando-se de um familiar próximo de um dirigente partidário (figura pública). A entidade administrativa não logrou recolher factos que contrariassem o conteúdo da reportagem”, refere a sentença.