O amor romântico nunca foi algo desejável no interior de uma comunidade. Com as suas profundas exigências exclusivistas, ele é um elemento desestabilizador do grupo.

O padre católico dom Luca (Stefano Fresi), com uma eloquência capaz de catequisar até um espectador desavisado, fala aos seus jovens formandos sobre a importância de casar virgem. Ele então diz que só o “amor eterno” vale a pena, mas temerariamente conclui que este só é possível “dentro do matrimónio”. Por outras palavras, o sentimento é desejável, mas não muito intenso e nunca como fator de alheamento da organização comunitária.

A obra de estreia de Roberto de Paolis aborda o tema com sensibilidade e distanciamento. Não é o grupo de Agnes (Selene Caramazza), que faz 18 anos, liderado por um evangelizador idealista e bem-intencionado que está “errado”: eles são amigos afetuosos, fazem festas de aniversário e obras de caridade. O problema é que o comportamento humano raramente se presta (pelo menos de forma natural) a dogmatismos normativos e daí que a questão que se coloca a Agnes passa a ser o do “sacrifício”, palavra cuja origem etimológica é explicada pelo religioso.

De Paolis ainda exige mais da sua atriz: ela não é só um espírito delicado, mas um corpo que necessita de momentos explícitos de depilação, de urinar, de deixar marcas de sangue na cama – como a sublinhar novamente, na relação corpo/alma, os limites do discurso idealizado. O protecionismo também não pode dar certo: a relação com a mãe (Barbara Bobulova) bem serve de espelho das relações entre pais e filhos: o que é uma certeza para um, é autoritarismo para outros.

Por seu lado, Stefano (Simone Liberati) nada tem a temer do amor romântico – antes pelo contrário. Ele não tem a proteção da família nem de ninguém, o que eventualmente significa estar condenado a planar pela existência com um eterno errante. Perde e arranja empregos, comete pequenos crimes, sobrevive a uma família destruída.

O filme balança-se nesta dicotomia simples (por vezes esteticamente simplista) até que resolve pôr mais apetrechos na receita – particularmente quando o tema dos ciganos e da solidariedade social (estatal ou, no caso do grupo de Agnes, fraterna) ganha contornos dúbios. A existência dos ciganos, aqui associados aos “refugiados”, a viver em barracas ao lado do estacionamento onde trabalha Stefano, é precária; os seus jovens adultos, no entanto, fazem negócios “escusos”, cometem atos de vandalismo e, segundo aquelas acusações que por cá se ouvem a toda hora, têm “iphones”.

Para terminar, um “twist” construído a quatro mãos pela equipa de argumentistas (além de De Paolis Luca Infascelli, Carlo Salsa e Greta Scicchitano também assinam) baralha tudo e não facilita as conclusões fáceis – exatamente como o mundo cá fora.

"Cuori Puri" é exibido na 11ª Festa do Cinema Italiano a 6 de abril às 22h00 no Cinema S. Jorge.