Se Roberto Saviano transformasse a sua sombria denúncia de “Gomorra” numa animação com números musicais, ambientação futurista, nuanças de cinema “noir” e uma singular revisitação da história da Gata Borralheira, o resultado seria este filme.
A protagonista tem três anos quando o pai, um milionário visionário que queria trazer o progresso a Nápoles, é assassinado. Passados 15 anos, ela vive esfarrapada, movendo-se pelos interiores do navio que o progenitor havia construído na altura. Por todo o lado, hologramas – inventados por ele “para que a memória não se perca…”
Realizado por quatro cineastas (Ivan Cappiello, Dario Sansone, Marino Guarnieri e Alessandro Rak) num pequeno estúdio de Nápoles, o filme traz uma visão terrivelmente cáustica da sociedade da cidade, ainda que não se possa assumir todos os simbolismos literalmente. Assim, é um local marcado pela corrupção, pelo crime e, segundo uma música do filme, com habitantes ignorantes e a “habituados a viver na m*”. Quanto a Cinderela, o seu “príncipe” salvador é, na verdade, um nada encantado rei – do narcotráfico.
Conforme disse Alessandro Rak ao Cineuropa, a ideia foi não só dar um ar contemporâneo ao conto como manter os aspetos mais duros da história original, de Giambattista Basile, frequentemente eliminados nas versões mais açucaradas. O cineasta ajudou a pôr a Itália no universo da animação na Europa, onde França e Bélgica são as referências mais óbvias. Com “L'arte della Felicità”, de 2013, ele foi vencedor do prémio de Melhor Animação dos European Awards.
“Gatta Cenerentola” teve estreia na Orizzonti do Festival de Veneza e tem lançamento comercial previsto para Portugal. Recentemente, em Lisboa, foi escolhida pelo júri da Monstra como o Melhor Filme do evento. É exibido na 11ª Festa do Cinema Italiano a 7 de abril às 18h30 no Cinema S. Jorge.
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