Com uma programação centrada em documentários longas-metragens de ficção recentes que têm o alemão como idioma, a iniciativa exibiu ontem "Luta de Classes" e "O Estranho que há em Mim", estimáveis exemplos destes géneros.
Premiada em vários festivais internacionais,
"O Estranho que há em Mim" (Das Fremde in mir) é a terceira longa-metragem de
Emily Atef, e de acordo com a realizadora surgiu da necessidade de retratar uma situação que afecta cerca de 80 mil mulheres por ano na Alemanha mas que raramente é focada no cinema: a depressão pós-parto.
Aqui está na origem de um drama centrado num jovem casal cujo equilíbrio conjugal é ameaçado quando a esposa, Rebecca, não consegue adaptar-se ao novo dia-a-dia após o nascimento do filho.
Incapaz de se relacionar com a criança e dominada por uma ansiedade crescente à medida que passa mais tempo com ela, a protagonista chega a colocar a segurança do recém-nascido em risco e instala em "O Estranho que há em Mim" uma intensa e imprevisível viagem psicológica e emocional.
Atef aposta numa realização despojada e realista, próxima dos domínios da Nova Escola de Berlim, e se o ritmo da narrativa nem sempre é o mais cativante a óptima direcção de actores compensa-o.
Susanne Wolff, no papel principal, é especialmente notável - pense-se numa Norah Jones à beira do colapso - e apesar de alguns episódios extremos o argumento nunca julga as personagens nem se perde em explicações desnecessárias, dando espaço para o espectador tirar as suas próprias conclusões e oferecendo-lhe um dos mais belos e simples desenlaces dos últimos tempos.
Se o recente
"A Turma", de Laurent Cantet, teve o mérito de abordar com rara perspicácia e sentido de oportunidade a problemática do ensino, não é felizmente o único exemplo bem-sucedido a mergulhar nessa questão.
"Luta de Classes" (Klassenkampf), o mais recente documentário de
Uli Kick, repórter e realizador, parte de uma premissa semelhante ao acompanhar uma turma do 9º ano de uma escola de Munique, mas onde a obra de Cantet era um exercício ficcional que quase passava por um documentário, aqui ocorre o oposto.
O filme evidencia a experiência de jornalista do seu autor e é hábil no encadeamento entre depoimentos dos alunos e professores, entrecruzando-os com situações do seu quotidiano dentro e fora da escola.
Embora foque uma turma vincada por vários contrastes, uma vez que a maioria dos alunos são filhos de imigrantes e nem todos têm condições de vida especialmente aprazíveis, Kick nunca cai no miserabilismo nem faz desta hora e meia um panfleto social.
Em vez disso desenha um retrato simultaneamente sério, comovente e divertido sobre o caminho para a idade adulta e as escolhas, por vezes conturbadas e precoces, que os seus protagonistas são obrigados a fazer.
Um belo exemplo do melhor cinema documental, onde o óbvio baixo orçamento em nada compromete um olhar atento e singular.
A
KINO - Mostra de Cinema de Expressão Alemã exibe dois filmes nos dias úteis e três nos do fim-de-semana, atravessando diversos géneros e geografias.
Além da Alemanha, a programação inclui obras recentes da Áustria, da Suíça e do Luxemburgo.
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