Depois de ter rodado a primeira coprodução Índia-Brasil com "Bollywood Dream" (2010), que participou em mais de 20 festivais, Seigner explora, com um olhar de documentarista que não abdica da magia da ficção, um território muito mais próximo, mas nem por isso mais familiar.

"O Brasil olha demasiado para a Europa e Estados Unidos e ignora a realidade dos próprios vizinhos", disse à AFP, ao falar sobre seu filme, selecionado para a mostra paralela Quinzena dos Realizadores.

A cineasta admite que foi a primeira a ficar surpreendida: quantos colombianos deslocados no Brasil vivem traumatizados pela perda de um parente durante o conflito com a guerrilha das Farc?

"Os colombianos são a segunda comunidade de imigrantes no Brasil. Pesquisei, entrevistei quase 80 famílias e percebi a amplitude do fenómeno", disse.

Ao mesmo tempo que o governo e as Farc iniciavam em 2012 um delicado processo de paz, Seigner imaginava o seu filme, focado no luto, o capítulo mais insuportável de meio século de conflito.

Fantasmas

Na chamada "ilha da fantasia", um pequeno território alagado parte do ano e situado na fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, Seigner encontrou os seus protagonistas.

Nesta terra de ninguém, deslocados pelo conflito chegaram durante anos para começar do zero, criando uma comunidade solidária e que chora pelos seus mortos... convivendo com eles.

Como é possível continuar a viver depois do assassinato de um ente querido? Beatriz Seigner mostra o sofrimento com a história de Amparo (Marleyda Soto), uma mãe que desembarca na ilha com os dois filhos.

Na localidade, a família conviverá com o marido e pai (Enrique Díaz), desaparecido.

"Muitos colombianos, enquanto não encontram o corpo, continuam a viver como se a pessoa estivesse viva: servem comida na mesa, pedem conselhos. É uma maneira de manter a esperança e lidar com a perda".

Assim, de modo paralelo à luta diária para encontrar um emprego, educar os filhos e recompor os laços sociais, Amparo e os demais moradores lidam com os seus "fantasmas".

Além dos dois atores, o restante elenco é formado por moradores da região e muitos interpretam os próprios papéis, da avó até o presidente da comunidade.

"Tudo é real na ilha da fantasia", afirma Seigner.

Catarse

Para uma das cenas mais sensíveis e difíceis, a cineasta reuniu guerrilheiros, paramilitares e parentes de vítimas, todos de luto. O resultado foi uma catarse.

"Queria que se expressassem. Perguntei se poderiam perdoar. Para muitos isto é impossível, mas alguns perguntam-se pelo menos sobre como conviver. Admiro os colombianos porque fazem estas perguntas", destaca Seigner.

"Los silencios" recebeu o apoio do "Cine en construcción", uma iniciativa dos festivais de San Sebastián e Cinelatino de Toulouse que ajuda filmes na fase de pós-produção.

Para o próximo trabalho, Beatriz Seigner vai seguir o mesmo caminho: filmará no oeste da África um documentário sobre os griots, contadores de histórias e mediadores de conflitos.