A Cinemateca Francesa, já na mira das organizações feministas que a criticam por não ter abraçado a onda #MeToo, está agora na mira do Tribunal de Contas, que apela ao Estado para que recupere o controlo da instituição.
Referência do cinema mundial, fundada em 1936 e localizada no bairro de Bercy, em Paris, a Cinémathèque, que preserva um patrimónia de 50 mil filmes, quase um milhão de documentos sobre cinema e milhares de dispositivos, está em crise.
Mas a instituição pública, presidida pelo cineasta Costa-Gavras, é também “uma associação que vive num espaço privado” com a fiscalização pública reduzida à categoria de 'observador', sublinhou o primeiro presidente do Tribunal de Contas, Pierre Moscovici, apresentando na terça-feira um relatório sobre a gestão desde 2016.
“Não é saudável e não nos permite avançar” para cumprir os seus objetivos de conservação do património e divulgação ao público, acrescentou.
O projeto de um grande museu de cinema, a par do de Milão ou de Los Angeles, não se concretizou, o público da Cinemateca envelhece e a gestão das suas coleções deixa a desejar.
Falha na gestão
Para abrir uma 'nova página', devemos 'aceitar sem dúvida grandes desenvolvimentos', continuou Moscovici, que evoca uma 'falha na gestão do Ministério' da Cultura.
Instituição pública financiada três quartos por subsídios públicos, no valor de 20 milhões de euros por ano, a Cinémathèque é uma associação ao abrigo de uma lei de 1901. Tendo como membros as personalidades que lhe fizeram donativos.
Se 'o Ministério da Cultura deve exercer a sua fiscalização através do Centro Nacional de Cinematografia (CNC)', este último 'é, no entanto, mais um parceiro para a associação do que um verdadeiro guardião', lamenta o Tribunal.
Os magistrados propõem transformar a Cinémathèque numa 'fundação reconhecida de utilidade pública' ou decidir pelo 'reforço do apoio ao CNC, ou mesmo pela integração, permitindo que, ao seu lado, permaneça uma associação de amigos da Cinémathèque'.
O ministério responsável pelo Orçamento aprova a ideia, o que reduzirá os conflitos de interesses.
Zelosa do seu estatuto associativo, na sua resposta aos magistrados a Cinémathèque abre as portas a 'uma reflexão sobre o lugar do Estado no conselho de administração'. Mas opõe-se à absorção pelo CNC, o que poderá afugentar muitos doadores que não desejam 'depositar os seus trabalhos no seio do Estado'.
Argumento retomado pelo CNC, que não imagina absorver a Cinémathèque, mas aprova a orientação do Tribunal de Contas, de reforçar 'o poder público no conselho de administração' da instituição, explicou o seu presidente, Olivier Henrard, à agência France-Presse (AFP).
Os estatutos da Cinemateca Francesa tornaram-se 'parcialmente obsoletos', escreveu a Ministra da Cultura Rachida Dati, na sua resposta à jurisdição.
'Será de facto oportuno reexaminar a governação da instituição, em particular sobre o lugar do CNC e do meu ministério no seu conselho de administração', concluiu.
Mea culpa
O Tribunal também deseja limitar temporalmente o mandato do diretor-geral da associação.
Frédéric Bonnaud ocupa este cargo desde 2016 e o seu mandato tem sido pontuado por crises, com os seus detratores acusando a Cinémathèque de não querer levar em conta o movimento #MeToo de liberdade de expressão sobre a violência sexual no cinema.
Após polémicas sobre os cineastas Roman Polanski e Jean-Claude Brisseau, implicados em casos desse tipo, a programação de dezembro de “O Último Tango em Paris” reacendeu a polémica.
Este filme de 1972 de Bernardo Bertolucci com Marlon Brando inclui a cena de uma violação filmada sem o consentimento da atriz Maria Schneider. Perante o clamor das feministas, o programa foi cancelado com 24 horas de antecedência, oficialmente por questões de segurança.
Os diretores da Cinémathèque fizeram o seu 'mea culpa' perante a Assembleia Nacional em meados de janeiro por não terem contextualizado o filme.
Mas Frédéric Bonnaud e o programador Jean-François Rauger também defenderam a vontade de exibir filmes que pertençam à 'história do cinema', independentemente das condições de rodagem ou da atuação dos seus realizadores.
O Tribunal de Contas planeava publicar o seu relatório antes destas controvérsias, disse Pierre Moscovici na terça-feira.
“Não desconhecemos o que está a acontecer, mas estamos noutro patamar”, o da gestão financeira, acrescentou.
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