Argumentista de «blockbusters» como
«Missão Impossível»,
«Homem-Aranha» ou
«Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal»,
David Koepp aventura-se várias vezes pela realização, geralmente em «thrillers» cujos protagonistas se vêem em situações de crescente tensão.

É o que sucede no veloz
«Encomenda Armadilhada», que coloca
Joseph Gordon-Levitt como um mensageiro que cruza as ruas de Nova Iorque de bicicleta e que um dia tem de correr mil perigos para entregar um envelope importante a outra zona da cidade, antes que
Michael Shannon lhe deite a mão.

Rodar em Nova Iorque

Foi mesmo uma complicação, havia muitas partes em movimento em cada um dos planos e não se podia controlar tudo. Praticamente todos os carros e bicicletas que se vêem são conduzidos por duplos e a regra que eles tinham era a de nunca muderam de faixa, para que os ciclistas pudessem mudar de via à vontade com a certeza de que nenhum carro lhes ia bater, por mais rápido que fosse. E funcionou bem, havia muita comunicação, toda a gente tinha rádios. O problema era quando surgiam imprevistos, o que acontece com frequência na vida, principalmente nas ruas de Nova Iorque.

O acidente de Joseph Gordon-Levitt

Foi horrível. No dia, em que o Joe se magoou nós tínhamos fechado algumas ruas, como de costume, e ele tinha muito para pedalar. Estava tudo aparentemente controlado só que a dada altura surgiu um carro diplomático, que nos EUA estão imunes às leis americanas, e que decidiu que queria seguir pelas ruas fechadas e que achou por bem ficar mesmo à frente do Joe. Ainda por cima abriu a porta porque queria gritar com alguém na rua, para reclamar por estarmos ali a fazer um filme. O Joe vê aquilo, percebe que vai em direção à porta e, naquela fração de segundo, vê que tem três hipóteses: ou atinge o tipo em cheio, o que não é lá muito bom; ou pode virar à direita, para a faixa do trânsito a sério, onde os motoristas são verdadeiros e não especialistas e a coisa pode correr muito mal; ou pode virar à esquerda, só que a visão dele está obscurecida pelo carro e ele não sabe o que vai lá encontrar. Portanto, entre a hipótese de atingir o tipo, provavelmente ser atingido por um carro, ou virar para um sítio que não sabe o que tem e que pode estar vazio, ele escolhe a terceira hipótese. E afinal estava lá um táxi parado. Ele bate na parte de trás do táxi, voa para fora da bicicleta, entra pela janela de trás do veículo e tem de levar 32 pontos no braço. Entretanto, eu estou na carrinha com os monitores e só o vejo a sair do «frame», toda a gente a gritar e, como ele tinha um microfone, ouço a voz dele a gemer como se estivesse a morrer. E naqueles breves segundos o tempo parou, eu pensei que podia ter morto alguém, e pensei «porque não fazer uma comédia calma?».

Mais acidentes

Toda a gente caiu, toda a gente se magoou na rodagem deste filme. A única decisão com a qual eu fiquei mesmo contente foi a de que, na preparação da película, decidimos que toda a gente tinha de usar capacete, o que é a única coisa na película que não é 100% rigorosa, porque em Nova Iorque cerca de um terço dos mensageiros de bicicletas não usam capacete. Mas eles são loucos, a pedalar assim naquela cidade. E eu não podia justificar rodar sem aquela proteção, era uma decisão humanitária. Se eu ia ser responsável por colocar estas pessoas em perigo, pelo menos ia dar-lhes uma hipótese de sobreviver.

A inspiração para o filme

Eu não ando de bicicleta, mas já andei muito a pé em Nova Iorque e várias vezes quase fui atropelado pelos mensageiros de bicicleta. E questionei-me quem seriam eles e porque é que o faziam, porque é que arriscavam a vida daquela maneira? Ainda por cima, a vida deles é visualmente excepcional, o ponto de vista muito cinematográfico. Parecia-me lógico tentar colocar o espectador naquela sensação e fazê-lo voar pelas ruas.

Escrever ou realizar?

Eu só realizo os filmes que vejo de forma muito clara na minha cabeça, geralmente com pessoas normais em situações de tensão que se vão acumulando. Já escrevi imensos filmes de aventuras de grande orçamento, como o «Homem-Aranha» ou a «Guerra dos Mundos», mas nunca fiquei interessado em realizá-los. São ótimas fitas para outros realizadores fazerem, com interesses e habilidades que eu não tenho. Mas gosto de os ver por isso gosto de os escrever, só não me vejo a realizá-los.

Quando os realizadores estragam os argumentos...

Todos os argumentistas acham que os seus filmes são sempre estragados pelos realizadores que os filmam, porque o olhar é sempre diferente. Mas claro que não é assim. Eu também acho que os filmes que escrevi podiam ser muito melhores, porque os vi sempre de forma diferente na minha cabeça. A melhor forma de resolver isso é sermos nos próprios a realizá-los. Só que o problema aí é que nem assim se consegue traduzir de forma perfeita aquilo que temos na cabeça. Porque é impossível, nós nunca controlamos os elementos todos.