"Fade into Nothing" traz a vaga história do homem que queria desaparecer. Ou melhor, queria encontrar o Nada. E, para tal, ele conduz de forma quase ininterrupta pelas grandes paisagens do deserto californiano, enquanto pensa a sua trajetória num gravador e vai encontrando, aqui e ali, acontecimentos do mundo “real”. Ao fundo, a guitarra do The Legendary Tigerman pontua o passeio.
Na conversa com o SAPO Mag, o próprio The Legendary Tigerman (Paulo Furtado), o realizador Pedro Maia e a fotógrafa Rita Lino falaram sobre a busca da espontaneidade total, de um processo de produção livre e com condicionantes orçamentais reduzidas ao mínimo para a procura de uma experiência sensorial... e funcionou: achados de um puro “feel good movie” (experimental…) vão aparecendo aqui e ali, como a “cena da dança”.
Como parte do projeto multimédia, os três têm feito apresentações onde cada espetáculo é diferente. A próxima será em Lisboa, no Cinema Nimas, dia 19 – onde Paulo Furtado executa ao vivo a música do filme com uma nova disposição das imagens também manipuladas no local por Pedro Maia.
PALAVRAS EM INGLÊS
Paulo Furtado (The Legendary Tigerman): Quando lancei o desafio ao Pedro e à Rita para produzirmos alguma coisa, ainda não tínhamos a noção de que seria uma longa-metragem – na verdade poderiam ser uma série de outras coisas. Tendo sido eu a escrever os textos, estava contra a ideia de escrever em inglês – coisa que faço no meu trabalho como músico, mas no cinema tenho feito em português. Por outro lado, eles estão em Berlim e o inglês é a língua de comunicação artística deles. Ao mesmo tempo, pensámos que, já que estávamos no deserto californiano, a língua funcionaria melhor. Até consideramos a hipótese de ter um leitor americano para fazer a leitura dos textos, mas depois chegámos à conclusão de que se estaria mais próximo de ser um europeu na América sendo eu a ler os textos, até porque isso também fica percetível pela pronúncia.
A FANTASIA DO DESERTO
Paulo: Já tinha estado no deserto a gravar um disco e ele era importante desde o início. Havia essa noção de espaço de como filmar a América. Terminou por ficar também para o Pedro e para a Rita.
Pedro Maia: A primeira proposta que o Paulo nos apresentou não tinha nada a ver com o que estamos a apresentar agora. O que nos fascinou desde o início foi a ideia de fazer um filme no deserto. Para já havia todas as referências do cinema – Wim Wenders, Antonioni... depois era o fascínio de conhecermos os filmes e estar lá para fazer um à nossa maneira, com todas as nossas limitações técnicas, artísticas, mas arranjando soluções para os problemas também.
Paulo: Ele é talvez o personagem principal deste filme. Havia, portanto, essa necessidade de nos pormos num um sitio que nos pode matar, agredir. maltratar. É um dos grandes fundamentos do filme
MÚSICA, FOTOGRAFIA, CINEMA: TRÊS ARTISTAS, UMA VISÃO
Rita Lino: No filme não dá para perceber que são diferentes áreas. A forma que encontramos para as conjugar foi termos as ideias e executá-las juntos, aceitando as diferentes formas de cada um trabalhar. Na produção não estava dividido – apenas mais tarde houve uma repartição.
Pedro: Quem conhece o nosso trabalho individual vai identificar a quem pertencem determinados momentos. E claro que tivemos que assumir hierarquias, mas nunca uma do género ‘tem que ser assim’. Quando fiz o primeiro ‘corte’ mostrei à Rita e ao Paulo e percebemos que tínhamos material para irmos um pouco mais longe. Aí decidimos trazer o Bando à Parte como coprodutor e procurámos locais em Berlim para filmarmos cenas que não tinham sido possíveis no deserto. Ficou um bocado maior.
QUESTÕES DE INSTINTO: ABAIXO O GUIÃO
Paulo: Aqui há uma coisa muito real no filme que se relaciona instintivamente como foi feito. Não tínhamos guião, os textos eram escritos diariamente e às vezes consoante o que se passava nas filmagens. Foi escrito “on the road”, não antecipadamente. Todo o dia, pela manhã, escrevia um diário e depois enviava ao Pedro e à Rita por telefone. Assim começava. Depois a Rita teve um papel muito grande em trazer ambientes…
Rita: Viajámos durante 15 dias, filmámos em 12. Estivemos sempre a circular.
Paulo: Ficámos sempre em diferentes motéis para nos forçarmos à deslocação constante, para o desconforto, sempre a carregar coisas atrás, todo o ambiente era inspirador
Rita: A partir do primeiro dia começámos a perceber o que o personagem está a sentir, o que ele está a ver. Depois as reações aos dias de filmagem, os diários, sempre nos inspiravam no sentido de não estarmos passivos à espera que alguma coisa acontecesse. Não, sempre tinha de acontecer alguma coisa. Tínhamos uma noção de início, meio e fim – mas o “meio” era ‘fosse o que fosse’.
Pedro: Depois demos a forma final na montagem.
A CENA DA DANÇA
Pedro Maia: Desde o início decidimos limitarmos ao máximo a equipa, não só por razões financeiras, mas para termos esta intimidade, para podermos parar, apontar a câmara para outro lado... por isso também descartámos o ator. Quando queríamos alterar tudo, mudávamos. E se tivéssemos uma equipa seria impossível.
Paulo Furtado: Não havia mesmo possibilidade de levar mais alguém por razões orçamentais. É curioso, pois o cinema é arte mais cara e mais trabalhosa, mas com esta leveza com que nos propusemos a trabalhar conseguimos ser bastante espontâneos – como, aliás, costumamos ser nos nossos trabalhos. Sem isso a cena da dança da qual falava nunca existira! Durou cinco minutos e eu perguntava à Rita, que dizia coisas como ‘faz assim’... Havia uma grande confiança e cumplicidade. Gostaria imenso de voltar a trabalhar com eles temos modos muito complementares de pensar e agir. É algo difícil de encontrar e aconteceu de uma maneira feliz neste filme.
Pedro: E o facto de ser filmado em Super 8 não nos permitia ver nem consertar nada. Só passado um mês depois de chegar de viagem é que pude ver o material.
Rita Lino: Foi bom para não ficarmos ‘contaminados’ e continuar a viver as coisas a sério – sem voltar atrás e tentar perceber.
UM HOMEM À PROCURA DO NADA
Paulo: A ideia de um “road movie” foi mais para nós a ideia de estar sempre em movimento. É evidente que no filme o protagonista está a movimentar-se, mas não é uma abordagem tradicional, tem mais a ver com o processo criativo.
Pedro: De qualquer forma, mais “road movie” do que isso não existe!
Rita: O que o personagem quer não é bem desaparecer, ele está à procura do nada.
Paulo: O nada é o ponto de partida, é o primeiro dia em que estamos em Los Angeles e não há uma linha escrita, nada estava definido sobre este homem, era alguém que não existia. O nada é o primeiro momento anterior a começar a rodar o filme.
Pedro: É quase um documentário sobre a própria experiência.
MÚSICA
Paulo: A música veio totalmente depois. Componho muita música para cinema e tentei afastar-me do facto de ser o protagonista. Houve um grande distanciamento na direção da banda sonora em relação às imagens. Guiei-me por instinto e recebia também indicações – no sentido de onde era necessário mais agressividade, mais negrume, mais espaço...
PROVOCAÇÕES
Rita: Não me identifico com essa palavra. Acabam por escrever e usá-la, mas a minha provocação, tanto na fotografia quanto no filme, está em não haver limites nem regras. Às vezes pode provocar porque não há qualquer tipo de barreira. A nudez aparece no filme porque tinha razão de ser, não está ali por acaso.
NOVOS PROJETOS
Paulo: Ganhei o ICA o ano passado, vou rodar a curta “Amor Quântico” em janeiro. Estou a escrever ainda outra história para uma longa-metragem, mas isso é outra conversa
Rita: Foi a primeira vez, trabalhei com vídeo. Agora preciso de uma pausa que isso foi muito intenso [risos].
Pedro: Estou a trabalhar em vários projetos, filmes para concertos, um pouco por todo lado...
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