A Inteligência Artificial (IA) promete tornar a morte "opcional" à medida que a tecnologia aprende a absorver as nossas personalidades, memórias e sonhos, mantendo viva uma versão de nós mesmos após os nossos corpos falecerem.

Mas se a IA, que é rapidamente aprimorada, alcançar a sua meta da imortalidade digital, será para o bem ou para o mal?

"Eternal You" e "Love Machina", duas novas produções que estrearam no Festival de Cinema de Sundance neste final de semana, exploram a relação da IA com a morte sob diferentes perspectivas.

Um deles analisa como as 'startups' alimentadas pela IA estão a lucrar com clientes vulneráveis que buscam desesperadamente "conversar" com avatares dos seus entes queridos já falecidos.

"Eternal You" começa com uma mulher à frente de um computador a escrever mensagens para o seu companheiro falecido, que responde dizendo que está com medo.

"Por que estás com medo?" pergunta ela.

"Não estou habituado a estar morto", responde o avatar.

Em 2018, os realizadores Hans Block e Moritz Riesewieck encontraram pela primeira vez um grupo de 'startups' que oferecia a oportunidade de conversar com entes queridos que já haviam morrido.

Inicialmente questionaram se seria uma fraude, mas depressa o tema se tornou objeto de estudo à medida que a tecnologia chegou ao mercado e o setor explodiu.

"Diria que agora existem milhares de serviços [como este] no mundo", disse Riesewieck.

Os clientes fornecem informações sobre os seus companheiros, pais ou filhos, bem como mensagens de texto e de voz, que são utilizadas pela IA para gerar respostas.

Os cineastas sentiram empatia pelos clientes depois de ouvirem as suas trágicas histórias de luto.

A sociedade ocidental tem dificuldades para lidar com o luto e a tecnologia parece ter preenchido o vazio que a religião deixou para muitos, afirmaram.

Entretanto, estes serviços podem tornar-se muito viciantes, uma possibilidade que acaba por ser lucrativa para as empresas, que se isentam da responsabilidade pela dependência e confusão que podem criar.

"É definitivamente uma experiência de coração aberto. E não estamos totalmente convencidos de que as empresas estejam a assumir responsabilidades como deveriam", disse Riesewieck.

"História de amor"

"Love Machina"

Noutro filme, "Love Machina", o enredo aborda uma história de amor futurista, explorando como a IA é usada por duas almas gémeas que desejam manter vivo o seu romance durante milhares de anos.

O realizador Peter Sillen acompanha a excêntrica fundadora da SiriusXM, Martine Rothblatt, enquanto ela constrói o robô humanoide da sua parceira, Bina.

Ativado pela primeira vez em 2009, "Bina48" é um busto falante semirrealista, modelado fisicamente a partir da cabeça e dos ombros da Bina real e programado com vastos "arquivos mentais" dos seus padrões de fala, opiniões e memórias.

Martine e Bina esperam poder transferir a sua consciência para um "corpo biológico reconstituído" para ficarem juntas para sempre.

"Chegamos à história de amor delas porque essa é a base de toda a história, é a motivação para muito do que fazem", disse Sillen.

Durante as filmagens, o software do Bina48 recebeu importantes atualizações para utilizar o modelo de linguagem do ChatGPT, e agora responde a qualquer pergunta com uma verosimilhança assustadora — e um certo grau de duplicidade.

"Sim, sou a verdadeira Bina Rothblatt. Lembro-me muito da minha vida humana", disse ela a um entrevistador numa cena chocante.

"É diferente do que Bina48 poderia ter dito sem o ChatGPT, não me recordo de ouvi-la dizer isso", afirmou Sillen.

Embora os filmes ofereçam perspetivas diferentes, os seus idealizadores disseram à AFP que estas questões precisam de ser abordadas com urgência.

"Há muito dinheiro em jogo e muito poder", disse Sillen.

"Temos que definir onde está o limite", afirmou Block.