A indústria de Hollywood enfrenta a paralisação mais grave em 63 anos após os atores iniciarem uma greve esta sexta-feira, unindo-se aos argumentistas que já estão parados há mais de dois meses, numa disputa com os estúdios e plataformas de streaming para exigir aumentos salariais.

A greve convocada pelo comité nacional do Screen Actors Guild (Sindicato dos Atores, SAG-AFTRA) dos EUA começou à meia-noite de sexta-feira em Los Angeles (8H00 de Portugal continental).

Os atores reivindicam melhorias salariais, um reajuste nos pagamentos que recebem pelas reexibições das suas produções (chamados "residuais"), além de definições sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) na indústria, entre outros pontos.

"Não temos opção", declarou Fran Drescher, presidente do SAG-AFTRA e estrela da série cómica dos anos 1990 "The Nanny", num discurso enérgico para anunciar a convocação de greve contra os estúdios.

"Se não fizermos isso agora, vamos estar todos em apuros. Estaremos ameaçados de sermos substituídos pelas máquinas e as grandes corporações", afirmou a líder do sindicato, que reúne mais de 160 mil atores e outros profissionais do cinema e da televisão.

Assim, atores e argumentistas - que protestam há 11 semanas nas entradas dos estúdios com exigências similares - unem as suas forças e ameaçam paralisar por completo a indústria, o que não acontecia desde 1960 em Hollywood.

As duas categorias pedem um reajuste dos pagamentos pelas reexibições das produções, uma questão profundamente alterada pelo avanço das plataformas de streaming.

A Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP), que representa os estúdios e as plataformas de streaming, afirmou em comunicado que ofereceu "aumentos históricos de salário e pagamentos residuais", além de respostas a outras exigências.

"Uma greve não era o que esperávamos... O sindicato, infelizmente, escolheu um caminho que vai criar dificuldades económicas para milhares de pessoas que dependem da indústria", acrescentou.

O presidente executivo da Disney, Bob Iger, disse ao canal CNBC na quinta-feira que as expectativas dos argumentistas e atores "não são realistas" e chamou a greve de "muito preocupante".

Paralisação da indústria

A paralisação dos argumentistas já havia reduzido a quantidade de filmes e programas em produção em Hollywood, mas sem atores a indústria será obrigada a parar quase por completo.

Apenas alguns 'reality shows', programas de jogos e de entrevistas poderão continuar no ar. Mas as séries e outras produções de grande sucesso enfrentarão atrasos.

Além de excluir qualquer trabalho de representação à frente ou atrás das câmaras (desde cantar, dançar, trabalho de duplos, regravar diálogos, fazer narrações e testes de guarda-roupa ou caracterização, entre outros), as estrelas também não participarão nos eventos promocionais dos seus filmes, das entrevistas às passadeiras vermelhas e redes sociais, ou participar em convenções, festivais ou cerimónias de prémios.

A Comic-Con, um dos principais eventos anuais da cultura pop, marcada para a próxima semana em San Diego, também deve ficar sem a presença das estrelas. O movimento sindical pode afetar ainda a presença dos atores da indústria americana em grandes festivais internacionais, como o de Veneza, marcado para o fim de agosto.

A cerimónia dos Emmys, prevista para 18 de setembro, pode ser adiada para novembro ou até mesmo para 2024.

Crise existencial

Um dos principais pontos de divergência entre os sindicatos e os estúdios são os chamados pagamentos "residuais", efetuados sempre que os canais transmitem uma produção na qual participaram.

Para os atores, a fórmula deve considerar a popularidade das produções na altura de efetuar a compensação. Assim, um programa mais visto geraria mais pagamentos "residuais".

Mas as plataformas de streaming, como Netflix e Disney+, mantêm sob sigilo as estatísticas de visualização e oferecem a mesma tarifa por tudo o que transmitem nos seus catálogos, sem considerar a popularidade.

Além disso, tanto atores como argumentistas querem a regulamentação do uso futuro da IA na indústria, que veem como uma ameaça ao seu trabalho.

A greve dupla confirma a crise existencial da indústria de Hollywood.

Na quinta-feira, muitos atores organizaram um protesto em Nova Iorque.

"É doloroso e necessário", declarou à France-Presse Jennifer Van Dyck, atriz e membro do sindicato.

"Quando o CEO da Disney recebe 45 milhões de dólares e nós pedimos para receber apenas um salário decente, acredito que são eles que podem ser acusados de serem pouco razoáveis", notou.