Moreau, que entrou em mais de 100 filmes ao longo de uma carreira de 65 anos, incluindo "Amantes" de Louis Malle e "Jules e Jim" de François Truffaut, foi encontrada morta na sua residência na capital francesa.
De acordo com várias fontes, o corpo foi encontrado na manhã desta segunda-feira por uma pessoa que trabalhava na limpeza da casa.
Num comunicado de condolências e de homenagem à atriz publicado no sítio ´online´ da Presidência da República Francesa, Jeanne Moreau é descrita como uma artista que encarnava por si só a arte do cinema.
"Com ela desaparece uma artista que encarnava o cinema na sua complexidade, memória e exigência. A lista de realizadores que a dirigiram conta a História do Cinema do século XX, desde Louis Malle, Roger Vadim, François Truffaut, Amos Gitai, Wim Wenders, Orson Welles, Joseph Losey, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, e tantos outros", destaca o comunicado da presidência liderada por Emmanuel Macron.
O governo francês também sublinha a grande força de uma atriz que desde o início "escapou às categorias que lhe quiseram impor", como "mulher fatal" ou "sedutora fútil".
"Ela trabalhou tão bem com Philippe de Broca como Bertrand Blier, com Manoel de Oliveira ou Luc Besson. Tal era a sua liberdade, constantemente reivindicada, colocada ao serviço de causas em que acreditava, como mulher de esquerda, sempre rebelde, contra a ordem estabelecida, como a rotina", acrescenta a nota.
"Uma parte lendária do cinema desaparece com Jeanne Moreau", assinala ainda a nota da Presidência da República Francesa.
Um dos símbolos máximos da Nouvelle Vague
Começou por ser um dos símbolos máximos da Nouvelle Vague francesa, ao protagonizar um dos filmes charneira do movimento, “Jules e Jim”, e rapidamente se tornou uma das mais prestigiadas atrizes da sua geração, tendo trabalhado com os mais notáveis realizadores da época, como Orson Welles, Luis Buñuel ou Manoel de Oliveira.
Filha de uma dançarina do Folies Bergère e de um profissional da restauração, Moreau, nascida em Paris em 1928, estudou intepretação no Conservatório de Paris e estreou-se em teatro aos 19 anos, no Festival de Avignon.
O sucesso nos palcos é conquistado ao longo da década de 50, começando aí também a fazer-se notada no cinema em filmes como “O Último Golpe” (1954), de Jacques Becker, e “Rainha Margot” (1954), de Jean Dréville.
Em 1958, protagoniza o notável “Fim-de-Semana no Ascensor”, o filme de estreia de Louis Malle, “compagnon de route” do movimento Nouvelle Vague, com que faz logo de seguida o controverso “Os Amantes” (1959), o que lhe amplifica ainda mais o sucesso, com a imprensa a apelidá-la de “a nova Bardot”.
A proximidade com os realizadores da Nouvelle Vague começa a ser evidente, com um pequeno cameo logo num dos filmes-fundadores do movimento, “Os 400 Golpes”, de François Truffaut, seguido de outro em “Uma Mulher é Uma Mulher”, de Jean-Luc Godard, que culminaria no papel principal de “Jules e Jim”, de Truffaut, surge logo em 1962, que fez do seu rosto luminoso um mais emblemáticos do movimento.
Mas a carreira da atriz estava apenas a começar. Por esses anos, protagoniza filmes tão memoráveis como “A Noite”, de Michelangelo Antonioni, “Eva”, de Joseph Losey, “O Processo, de Orson Welles, “A Grande Pecadora”, de Jacques Demy, “Diário de Uma Criada de Quarto”, de Luis Buñuel, “Viva Maria!”, novamente de Malle, e “As Badaladas da Meia-Noite”, mais uma vez com Welles.
A tónica de participar em filmes de grandes realizadores manter-se-á ao longo de toda a sua carreira, várias vezes em inglês. Trabalhou com Tony Richardson duas vezes (“Mademoiselle” e “O Marinheiro de Gibraltar”), Marcel Ophuls (“Peau de Banane”), John Frankenheimer (“O Comboio”), Marguerite Duras (“Nathalie Granger”), Philippe de Broca (“Louise”), Bertrnad Blier (“As Bailarinas”), Elia Kazan (“O Último Magnata”) ou Rainer Werner Fassbinder “Querelle – Um Pacto com o Diabo”).
Prosseguiu sempre muito ativa, também na área da música (editou vários discos e chegou a cantar com Frank Sinatra), e foi várias vezes homenageada, sem nunca deixar de trabalhar. Já nos anos 90, participou em “Nikita – Dura de Matar” de Luc Besson, ou em “Até ao Fim do Mundo”, de Wim Wenders, e mais recentemente vimo-la a atuar às ordens de François Ozon (“O Tempo que Resta”), Amos Gitai (“A Retirada”), Tsai Ming-liang (“Face”) e ainda Manoel de Oliveira, no que seria o último filme do cineasta portuense, “O Gebo e a Sombra”, em 2012.
Entre os vários prémios que conquistou, destaque para prémio de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 1960 por “Recusa”, de Peter Brook, e a Palma de Ouro honorária em 2003, além do César de Melhor Atriz em 1992 por “La Vieille que Marchait dans la Mer”, de Laurent Heynemann, e os Césares honorários em 1995 e 2008, ou ainda o Leão de Ouro de Carreira do Festival de Veneza em 1992 e o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 2000.
Foi casada com o ator Jean-Pierre Richard e com o realizador William Friedkin e manteve relações amorosas com o músico Miles Davis, o estilista Pierre Cardin e os cineastas Louis Malle, François Truffaut e Tony Richardson, que por ela terá deixado a então esposa Vanessa Redgrave num dos escândalos que animaram a época.
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